Por: Ana
Suy Sesarino
A
Histeria
e o Pré-Édipo
Nos
dias de hoje a histeria tem se mostrado de forma mais discreta do que
nos tempos de Freud, com relação aos sintomas conversivos. Devido
a época em que vivemos hoje, onde as mulheres têm mais espaço
para expressarem-se na sociedade, os sintomas histéricos já não
são mais tão ostentosos. A histeria não desapareceu, mas
cada vez mais ela tem sido diagnosticada e tratada como depressão. Isso
porque o sujeito histérico procura permanecer em um constante estado
de insatisfação. NASIO (1990) afirma que o sujeito histérico
não é homem ou mulher, mas é a dor da insatisfação.
A histeria é uma neurose que aparece principalmente através de
distúrbios somáticos. NASIO (1990) diz que sofrer histericamente é converter
o gozo intolerável e inconsciente num sofrimento corporal, pois o sujeito
histérico dá sentido à sua existência através
de seu corpo. A histérica desloca a angústia de castração
para o corpo, enfatizando-a. E é por isso que é no corpo que
aparece o sintoma histérico. Gozo é uma palavra cunhada por Lacan
para expressar que nem todo modo de satisfação é vivido
de forma prazerosa. Freud utilizava a palavra satisfação para
dizer isso; quer dizer que alguém, ao escolher uma particular forma
de satisfação, (ou gozo) pode sofrer demais com isso.
Em exemplo clínico, Lucy, uma moça de 25 anos, atendida ao longo
do ano na clínica do NPP, buscou atendimento psicoterápico queixando-se
de ardência nos ombros e dores nas costas. Trazia consigo um saber sobre
isso: dizia que estava com depressão. A hipótese diagnóstica
sustentada é de que se trata de um quadro de neurose histérica.O
pré-édipo
na meninaFREUD (1933) fala que em
toda a relação entre uma menina e seu
pai, há que se considerar que houve antes, com igual ou maior intensidade,
uma relação de amor com a mãe. A menina goza de sua mãe
pela alimentação e pelos cuidados corporais. É o mesmo
que dizer que são os primeiros cuidados com a criança que introduzem
a sexualidade infantil.
A menina somente chega ao amor do pai pela via do amor da mãe. Essa
mudança de objeto de amor ocorre a partir da percepção
da própria castração. Ou seja, a menina fica em falta
da mãe, na entrada de um terceiro na relação, o pai ou
aquele que pode ocupar esse lugar. É à medida que o desejo da
mãe se volta para esse outro que a menina percebe que não completa
a mãe, que não é tudo para a mãe. E só quando
se dá conta de que sua mãe não é completa, mas
faltante, assim como ela mesma, que então pode abandonar seu apego primário à mãe
e tomar o pai como objeto.
Quando ocorre essa mudança de objeto de amor, com a garantia de que
a mãe não irá abandoná-la, pois, que já vivenciou
a segurança de seu amor, esta mesma mãe passa a ser desprezada
e percebida como prescindível. A filha acusa a mãe de não
ter cuidado bem dela, de não lhe ter alimentado o suficiente. Freud
afirma: “Mais parece que a avidez da criança pelo próprio
alimento é completamente insaciável, que a criança nunca
supera o sofrimento de perder o seio materno”. (1933, p. 122).
É
o que se torna claro quando se escuta Dora de 27 anos. Mesmo afirmando que
a mãe deu-lhe de mamar no peito até os 4 anos de idade, ainda
assim, sente-se ressentida porque deixou de ser amamentada quando sua irmã caçula
nasceu. Sentiu-se trocada! Hipotetiza-se que, se tivesse sido amamentada ao
seio da mãe por mais tempo, ainda assim sofreria com o desmame, já que
a criança vive tal experiência como uma perda. De acordo com FREUD
(1933, p. 123): “Se possível, a conexão com a frustração
oral é mantida: a mãe não podia, ou não iria, dar
mais leite à criança, porque necessitava do alimento para o recém-chegado
(...) o que a criança não perdoa ao indesejado e intruso rival
não é apenas a amamentação, mas sim todos os outros
sinais de cuidados maternos”.
A demanda de amor da mulher neurótica implica em não haver limites,
nunca o que é recebido é suficiente, algo sempre falta. A menina
busca a completude através do falo, e como não encontra algo
que a preencha, mantém-se eternamente insatisfeita. A menina sofre por
perder o seio materno, não importando em que momento isso se dê.
Portanto, afasta-se da mãe por via da decepção e do ódio,
acusando-a de não ter sido uma boa mãe, pelo fato de tê-la
feito incompleta, assim como a própria mãe o é. Freud
(1931) diz que a mulher deseja amor ilimitado e posse exclusiva, e não
se contenta com menos que tudo. É numa conferência intitulada ‘Feminilidade’ (1933)
que Freud afirma que as meninas responsabilizam suas mães pela falta
de pênis e não a perdoam por terem sido, deste modo, colocadas
em desvantagem.A relação de ódio com a mãe. Segundo
MILLOT (1989) a identificação de uma mulher com sua
mãe permite perceber duas camadas distintas: a primeira é a pré-edipiana,
em que a mãe é tomada como modelo, sobre a qual se apóia
a vinculação afetuosa. E a segunda camada, é advinda do
complexo de Édipo, quando a menina procura eliminar a mãe e
tomar-lhe o lugar junto ao pai.
A escuta de Emmy, possibilita a verificação disso na experiência
clínica. Ela relata que gostaria de fugir com o pai a fim de salvar-lhe
da mãe, pois o pai merece uma mulher melhor do que a mãe; ou
seja, ela mesma.
Para DOR a vinculação da menina ao pai também é clara: “De
fato, no discurso histérico, o pai é constantemente significado
como objeto de investimento, alternadamente positivo e negativo.” (1993,
p. 53)Castração temida X assunção da castração. A
dificuldade de resolução, própria do Édipo feminino,
resulta da impossibilidade da formação de um ideal do ego feminino,
contraditório em seus termos, o ideal implicando a insígnia fálica.
A menina se vê, deste modo, confrontada com a inexistência de uma
identidade propriamente feminina. Em outras palavras, para retomar a fórmula
de Lacan, “a Mulher não existe”.
A menina não nasce mulher, mas deve tornar-se. Uma ligação
com a mãe de extrema intensidade pode dificultar, ou até mesmo
impedir esse vir a ser, ou seja, tornar-se mulher. Nada pode ser mais doloroso
do que renunciar ao amor da mãe, pois é aí que a menina
confronta-se com a sua falta, com sua própria inconsistência ou,
dizendo melhor, com a inconsistência de sua identidade de gênero.
A menina tem mágoa do pai porque quando sai do Édipo, ele não
lhe dá significante feminino algum. No Seminário 3, Lacan (1955,
p. 202) diz que: “ o sexo feminino tem uma característica de ausência,
de vazio, de buraco, que faz com que aconteça ser menos desejável
que o sexo masculino...”
É
também Lacan, (1974) que afirma que a posição do homem
e da mulher, enquanto conjugal, determina o lugar da criança na estrutura.
O pai deverá estar orientado, ao fazer de uma mulher o objeto a, que
cause o seu desejo. Isso porque é ao pai que cabe olhar e dizer que
a mulher é desejável, para que a menina sinta que ao tornar-se
mulher, terá um lugar e uma identidade garantidos. Assim como cabe à mãe
possibilitar a entrada do pai no Édipo do bebê, é ao pai
que cabe mostrar uma via de feminilidade à menina, dirigindo seu olhar à mãe.
Na prática, Dora, relata que seus pais têm um casamento infeliz.
Então, seu pai desabafa com ela, contando-lhe o quanto é insatisfeito
no relacionamento com sua mãe. Dessa forma, o pai dificulta seu interesse
pelo lugar de uma mulher, uma mulher desejada, ou seja, com lugar garantido
na economia do desejo. Para ela torna-se desinteressante identificar-se a uma
mulher, tornar-se mulher, o que resulta em uma saída histérica,
que pode se dar através do complexo de masculinidade. Isto é,
a garota tem seu interesse despertado por atividades masculinas, por exemplo.
Isso significa dizer que é o desejo masculino que a captura na tentativa
de constituir pra si um lugar de reconhecimento.
Conforme MILLOT (1989, p. 36)
Observa-se a dificuldade da posição da menina no que diz respeito à
identificação
na saída do Édipo. Para ela, não há
identificação
ideal possível, se não for à mulher
fálica; ora, é justamente
uma identificação “pré-edipiana”.
Este impasse
resulta de que o ideal inclui
precisamente o poder fálico. Isto não
facilita as relações da menina com a
feminilidade, e a conduz
geralmente a uma solução próxima à
do menino,
que se designa pelo termo de
complexo de masculinidade.A histérica se instala no desejo do pai, para
saber, desde esse lugar,
o que a mulher tem de desejável, e
para procurar sentir a mesma sensação
experimentada por seu pai, já que
por ser possuidor de um pênis,
o presume possuidor do falo, ou
seja, ele ‘pode’ o que quiser!
Segundo Nasio, ela acredita, assim,
conseguir simbolizar, talvez, o órgão
sexual feminino.
Portanto, pode-se pensar que pelo fato da
atual sociedade dar espaço
para que a mulher fale, os sintomas histéricos estejam mais discretos.
Isso porque a conversão histérica é uma forma da mulher
dizer o que ela não pode sobre sua feminilidade. É por isso que
diz de forma sintomática, ou seja, anuncia que há algo a ser
dito, mas que ela não pode dizer. E é para isso que a histérica
procura ajuda, para que sua feminilidade possa ser decifrada.
Referências:
FREUD,
S. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
__Volume XXI – Sexualidade feminina
__Volume XXII – A feminilidade
LACAN, J. RSI. Inédito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, (1974-5).
LACAN, J. As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
MILLOT, C. Nobodaddy a histeria no século: Jorge Zahar Editor, 1989.
NASIO, J. A histeria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990