quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O DESEJO EM LACAN

A releitura freudiana feita por Lacan é marcada pela influência da filosofia hegeliana, ou melhor, e principalmente, pela análise antropológica da filosofia de Hegel efetuada por Alexandre Kojéve. A partir da análise feita na obra Fenomenologia do Espírito, principalmente do capítulo que ficou conhecido como “Dialética do Senhor e do Escravo”, Lacan desenvolverá, além de outras coisas, a idéia de Desejo. O desejo, que é um vazio, uma falta, só será humano quando se voltar para algo não natural e a única coisa que apresenta tal característica é o próprio desejo.

 O desejo se volta para outro desejo, um vazio a outro vazio, e assim vê-se o desejo superado na sua forma natural, como o surgimento do “desejo do desejo”. Dois desejos animais tornam-se humanos quando se dirigem um ao outro. A citada influência de Hegel em Lacan, se por um lado se materializa na construção da teoria do imaginário, marcantemente na elaboração da teoria do estádio do espelho, por outro aponta seus limites, e por isso abre caminhos para a guinada do simbólico. Na dialética do Senhor e do Escravo, uma das idéias compreendidas é que, na noção de sujeito, a rivalidade é inerente.

 A partir das lições de Kojéve, e da teoria psicanalítica, busca-se reinventar o sujeito cartesiano, autônomo e incondicionado, num sentido contrário: determinado e depen- dente, determinação adequada ao sujeito através da ordem social, o que na dialética hegeliana apareceria reduzida como “o outro”. O desejo humano respeita essa determinação, na medida em que sua origem é pensada como uma negação da sua condição natural, se constituindo como negatividade pura que preside a constituição do sujeito no discurso de Lacan (Lacan, J, (1966) 1998).

 O que não se deve buscar na análise hegeliana de Kojéve é o viés psicanalítico trabalhado por Lacan. Para o psicanalista francês o que está em contraste não é a servidão e a liberdade, autonomia e desautonomia, mas o reconhecimento da assujeitação aos outros imaginários, constitu- tivos e determinantes da sua existência. Na clínica, o sujeito passaria, ou deveria passar, por este caminho, do desconhecimento ao reconhecimento da condição de assujeitação. O sujeito reconhece que o seu desejo é, na realidade, o desejo de um pelo outro. Se esse desejo o impulsiona, sua ação ocorre em função de um outro. É na condição de escravo que ele se encontra. Ponto fundamental no estruturalismo lacaniano, estruturalismo no qual Lacan será um dos vértices na França, é que não há estrutura significante sem sujeito.

 Na teoria de sujeito lacaniana o ser do sujeito é o Desejo, donde se conclui que o Desejo é quem anima a cadeia significante, impulsionando a passagem de um significante a outro. Na constituição do sujeito, porém, salientará Freud que algo escapa à identificação e ao significante, que é o objeto a na teoria de Lacan.

 O objeto a deteria a metonímia e a frearia num ponto em que ela não alcança. Este objeto a é colocado na teoria lacaniana não como um agente do discurso analítico, mas como um dos pilares “onde o sujeito sustenta o seu pseudo- ser, sendo a cadeia significante seu outro pilar”3. O objeto a é um resto do sujeito e do Outro, não podendo se definir a quem pertence.




Por: Alexandre Mendes de Almeida, texto retirado do artigo "O desejo no neurótico"(The Desire in Obsessive Neurotic). Psic. Rev. São Paulo, volume 19, n.1, 33-57, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário