domingo, 17 de setembro de 2017

A Filosofia


— o foro íntimo do solitário de espírito livre.

Quando temos verdadeiros amigos, ignoramos o que é verdadeiramente a solidão, mesmo que tivéssemos o mundo contra nós. Infelizmente percebo, contudo, que realmente se ignora o que é ver a solidão crescendo em torno de alguém. Em toda parte onde houve sociedade, autoridades, religiões, opiniões públicas poderosas, em resumo, em toda parte onde houve uma tirania, ela perseguiu com ódio o filósofo solitário, pois, a filosofia oferece ao homem um asilo onde nenhuma tirania pode penetrar, o foro íntimo, o labirinto do coração; e é isso o que indispõe os tiranos. É o refúgio dos solitários, mas é ali também que o maior dos perigos os espia. Esses homens que abrigaram sua liberdade no fundo de si mesmos são obrigados a ter uma vida exterior, a se mostrar, a se deixar ver; pelo fato de seu nascimento, de seu domicílio, de sua educação, de sua pátria, do acaso, da indiscrição dos outros, eles se veem empenhados em inúmeras relações humanas; a eles é conferida toda espécie de opiniões, pelo simples fato de que são opiniões reinantes; toda expressão fisionômica que não for negativa passa como aprovação; todo gesto que não destrói nada é interpretado como adesão. Sabem muito bem, esses solitários de espírito livre, que parecem constantemente, de uma maneira ou de outra, aquilo que realmente são; quando pretendem senão ser verdadeiros e sinceros, em torno deles é tecida uma rede de mal-entendidos; a descrição de seu violento desejo, sentem passar sobre seus atos um vapor de opiniões falsas, de acomodações, de meias concessões, de silêncios complacentes, de interpretações errôneas. É isso que acumula em sua fronte uma nuvem de melancolia, pois, semelhantes naturezas odeiam mais que a morte a necessidade de fingir.

— Friedrich Wilhelm Nietzsche, in Schopenhauer O Educador, pág. 37 - primeiro capítulo.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Tijolada sobre o espiritismo:




"privação das pessoas em desenvolver mecanismos saudáveis de lidar com o luto normal."

....não sempre, mas na maioria das vezes.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A poesia na carta de um suicida...


"A quem possa interessar:

Grande parte do que possuía foi vendida ou doada. O que resta, é minha vontade que seja entregue ao meu amigo João; o qual poderá dar a meus pertences o destino que lhe aprouver.

Nada deverá ser entregue a qualquer parente meu.

Quanto aos meus restos mortais, suplico encarecidamente; não o torturem com choros, rezas ou velas. É apenas a minha matéria e imploro que a deixem degradando-se em paz. A putrefação não é degradante. Se a humanidade permitisse que a natureza tomasse o seu curso, seria o renascimento da matéria.

Eu renasceria no vento que passa a murmurar, nas folhas que farfalham, no solo que abriga e alimenta milhares de seres vivos, na água que corre para o mar nas chuvas que regam os campos, no orvalho que cintila ao luar, nas grandes árvores que abrigam ninhos de passarinhos e que vergam a passagem dos ventos fortes, nos pequenos arbustos que escondem a caça do caçador…

Céus! Eu me vingaria se apenas uma de minhas partículas participasse do desabrochar de uma flor ou do canto de um pássaro. Romântico? Não! Foi o mundo, minha família, meu educador mas principalmente… foi o seio que aconchegou a criança que vinha lhe contar as suas tristezas, máguas, alegrias, pensamentos, e seus desejos íntimos… suas esperanças. A criança crescida quer voltar para lhe contar seus sofrimentos, desilusões, a morte de suas esperanças… para encontrar novamente o aconchego onde poderá descansar sua cabeça cansada e abatida e onde poderá, enfim, chorar as suas lágrimas que não encontram onde chorar.

Volto derrotada porque não fui capaz de viver, trabalhar e estudar não foram suficientes para mim. E foi tudo o que me restou. Prefiro morrer do que viver com a morte dentro de mim.

Perdoem-me"



(Autor desconhecido, individuo do sexo feminino, 27 anos, que ateou contra sua própria vida, com um disparo de arma de fogo) 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O Narcisismo na Contemporaneidade: O mal estar da era das “Selfies”


A intenção é trazer uma reflexão sobre as famosas "selfies", o que acontece com esse ciclo vicioso que estão se tornando. Pensar através de conceitos e teorias da psicologia e psicanálise para entender tal fenômeno na contemporaneidade, se não vivemos uma “neurose das selfies”, uma vez que neurose esta relacionada com a questão da compulsão e repetição.

Sigmund Freud, o criador da psicanálise, teorizou sobre o conceito de narcisismo, em sua obra Introdução ao Narcismo, trazendo questões importantes sobre o desenvolvimento do sujeito que ainda podem ajudar a pensarmos no meio em que vivemos, para que uma pessoa consiga estabelecer bons vínculos sociais, é necessário que durante o período da infância, a criança se sinta amada principalmente pelas figuras familiares, ou seja, caracterizando como fundamental o olhar e troca/investimento afetivo.

Com isso, de acordo com a teoria freudiana, é normal e esperado que o narcisismo esteja presente no desenvolvimento de todos nós, mas a forma como é vivenciado na infância influenciará nas outras fases da vida de cada um. Por exemplo, caso ocorra investimento narcísico em excesso o indivíduo poderá ficar voltado demais para si mesmo, e possivelmente terá dificuldades de estabelecer vínculos mais profundos.

Em relação à mitologia grega, Narciso era aquele que ficou conhecido pela sua beleza e também pela impossibilidade de se contemplar, pois segundo o mito, isso lhe renderia vida longa. Mas ao ver-se refletido nas águas de uma fonte, ele se apaixona por si. E em busca desse amor impossível, Narciso funde-se consigo mesmo e sucumbe na própria imagem. Trazendo para o atual contexto, podemos ver tal mito nas tecnologias, principalmente com o uso das redes sociais, e a tão falada “selfies” (substantivo originado de self, “eu” em inglês) não estariam ligadas apenas na intenção de se expor, através de fazer um auto-retrato, mas também uma busca pelo elogio e olhar do outro de ser admirado reconhecido, e assim, amado.

O que é muito discutido atualmente, seria se toda essa exposição e busca revela um sintoma da sociedade, cada vez menos interessada nas relações de fato e reais, á medida que apenas investe na proliferação de imagens, que não necessariamente traduzem o sentido real, ou seja, se o indivíduo de fato esta feliz e bem. Mas nessa busca por ser admirado e amado, de modo tão instantâneo, muitas vezes sem parar refletir, sendo assim de modo mais impulsivo, traduzem os reais sentimentos? E ao final, o indivíduo que terá muitas curtidas e elogios realmente se sentirá melhor?

Acredito que esse sentimento perdura um curto período de tempo, é instantâneo, e por isso, novamente a pessoa precisa postar outra e outra e mais uma “selfie”, para ter mais curtidas e mais elogios, pra de novo “estar bem”, virando um ciclo vicioso, uma tornando-se, assim, uma “neurose” se há uma compulsão da repetição, daquilo que nunca é atingido, por isso a compulsão (postar constantemente uma selfie) para evitar o sentimento de vazio, possivelmente quando o indivíduo começa a entrar em contato com a sensação do vazio instantaneamente “tirar uma selfie”, e novos elogios virão. E não seriam isso as “selfies”, um vício, uma repetição pela busca deste sentimento de “felicidade”, em ser “admirado ou amado”?

Fica a reflexão por uma dificuldade também da pessoa de estar sozinha, com os próprios e reais sentimentos, sejam eles bons ou ruins, ou de pode estar em contato com outro, configurando um mal-estar na era das “selfies”. Dessa forma, cada vez mais as relações se tornam superficiais, ou seja, quando se esta realmente em contato com o outro o indivíduo pouco expõem o que deseja, sente, pensa, pois esta tão voltado para a sua “selfie”, pra si mesmo, como diz Caetano Veloso “Narciso odeia tudo aquilo que não é espelho”, e a “selfie” nada mais é do que uma forma de espelho!

Assim, a pessoa nem se reconhece mais no olhar do outro, não sabe mais o que busca e como no mito, pode sucumbir na própria admiração. Além das fotos de si mesmo, também é muito compartilhado os momentos vividos, mas realmente vivê-los é necessário!

Por fim, como as redes sociais poderiam ser diferentes e mais úteis também? E se cada um começasse a postar mais os seus interesses, informações culturais, a compartilhar projetos sociais importantes, e não somente o seu próprio retrato, mas sim, o que esta por trás da “selfie”, quem realmente é, e como pode ajudar a sociedade em que vive, que com certeza, não será através da postagem de milhares de fotos de si mesmo. A necessidade de construirmos uma sociedade menos individualista e egoísta, que cada vez mais nos tornamos, e sim que as redes sociais possam ter, principalmente, uma função de contribuição à sociedade!

Fonte: Obvious

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

E quando o psicólogo ou psiquiatra morre… por suicídio?


Talvez este seja o tabu dos tabus. Mas seria isso realmente possível? A própria existência deste texto dissolve qualquer dúvida em potencial. Um assunto delicado que envolve muitas questões, sobre as quais não se discute na formação em psicologia ou em psiquiatria. Se esta discussão existe, no entanto, trata-se então de algo completamente isolado e não-representativo. A máxima do conhecimento popular “médico, cura-te a ti mesmo!” também se estende ao campo da saúde mental, alimentando e mantendo escondida uma problemática que envolve famílias, clientes, alunos, empregadores e colegas. Numa pesquisa sobre a reação dos pacientes frente à morte do psicoterapeuta por suicídio, os pesquisadores estadunidenses Reynolds, Jennings e Branson (1997) encontraram diferentes tipos de manifestação, incluindo a negação do tipo de morte (alguns pacientes se recusaram a acreditar na causa do óbito, atribuindo a este outras causas como acidente automobilístico ou assassinato), reações de raiva e decepção, descrença na psicoterapia, episódios depressivos, e até mesmo ideações suicidas entre os pacientes. Mas o que envolve o suicídio de um psicólogo ou psiquiatra?

A pesquisa sobre suicídio entre esses profissionais é bastante escassa. Não apenas pelo tabu em si; mas pela alta complexidade envolvida no desenvolvimento deste tipo de investigação. Se a pesquisa geral sobre comportamento suicida traz consigo dificuldades (relacionadas ao sub-registro de casos, respostas não genuínas às questões das pesquisas, por exemplo), as complicações sobre o exame deste tema entre profissionais de saúde mental são ainda maiores. A primeira delas diz respeito ao ditado popular mencionado acima. Como pode um profissional cuidar da saúde emocional de seu cliente se a sua própria não vai bem? Trabalhando com esta temática (a saúde mental do profissional de saúde mental), Munsey (2006) sugere dois tipos de contextos envolvidos no “mal-estar” de um psicólogo ou psiquiatra: a dificuldade e o prejuízo. Na dificuldade, o profissional vivencia intenso stress não prontamente solucionável, afetando seu bem-estar e funcionamento, provocando interrupções no raciocínio, no humor e em outras áreas da saúde. No prejuízo, o profissional passa por uma situação mais intensa que compromete seu funcionamento profissional a ponto de trazer mal-estar ao seu cliente ou tornar seus serviços ineficazes.

Em um artigo publicado na revista The Psychologist da Sociedade Britânica de Psicologia, Patrick Larsson (2012) listou uma série de publicações com dados sobre suicídio entre psicólogos nos Estados Unidos: Deutsch (1985) descobriu que em uma amostra de 264 psicoterapeutas alunos de mestrado e doutorado, 2% reportaram tentativas de suicídio. Em outra pesquisa com pouco mais de 800 psicólogos, Pope e Tabachnick (1994) demonstraram que 29% reportaram ideações suicidas, e 4% afirmaram ter tentado tirar a própria vida. Investigando sobre depressão entre 425 profissionais da psicologia, Gilroy e sua equipe (2002) mostraram que 21% dos entrevistados reportaram ideação suicida passiva, 18% ideação suicida sem plano, e 3% indicaram ideação suicida com plano de execução. Por trás desses números, esconde-se a pressão social sobre o profissional para manter-se “congruente com o que prega” e a consequente negação de problemas emocionais mais sérios. Junto a isso, psicólogos e psiquiatras frequentemente retém informações clínicas importantes e não as compartilham com seus próprios terapeutas ou com colegas (Pope & Tabachnick, 1994). É frequente haver a divisão entre “nós”, os psicólogos/psiquiatras, e “eles”, os clientes/pacientes, o que também pode oportunizar e reforçar uma forma de negligência do próprio estado de saúde mental do profissional.

Ao mesmo tempo, o estigma e julgamento social envolvidos no “mal-estar” do profissional pesa sobre ele como um fracasso: “sou uma contradição! Ajudo na transformação da vida de outras pessoas, as auxilio em seu desenvolvimento emocional e comportamental, mas não posso ajudar-me!”. A busca por ajuda pode ser interpretada pelo profissional que sofre como humilhação e uma declaração aberta de seu suposto fracasso ou incongruência. Sabe-se que uma das razões mais comuns de psicólogos e terapeutas não admitirem sofrer depressão ou ideações suicidas está relacionada ao medo da censura profissional (Deutsch, 1985).

Todas essas questões dificultam muito a intervenção e prevenção do suicídio entre trabalhadores da saúde mental. DeAngelis (2011) sugere que algumas medidas deveriam ser tomadas para prevenir o suicídio entre psicólogos [e psiquiatras]: (1) treinamentos sobre risco e prevenção ao suicídio deveriam ser incluídos nos cursos de formação e qualificação de profissionais de saúde mental; (2) melhoraria no treinamento dos profissionais qualificados não somente no gerenciamento do comportamento suicida com clientes, mas também em métodos de intervenção com colegas que eventualmente estejam vivenciando dificuldades; (3) tornar habitual a discussão sobre os desafios envolvidos em ser um psicólogo; (4) melhorar o ensino sobre estratégias de como lidar com possíveis casos de morte de colegas por suicídio; (5) criar grupos de suporte profissional a fim de reduzir o isolamento inerente ao exercício da profissão.

Tema difícil. Tema delicado. Mas da mesma forma como incentivamos a população a falar sobre suicídio, devemos também iniciar um diálogo dentro da psicologia e da psiquiatria sobre a problemática que pode estar do outro lado do sofá de um consultório. Claro, esta é uma tarefa que cabe aos colegas de profissão, (família e amigos, se possível), exclusivamente. Da mesma forma como há trabalho lá fora, há também dentro da categoria profissional, e tais questões não podem mais ser poupadas em nome da imagem social de seres “intocáveis”.


APA (6th Edition):
Zortea, T. C. (2015, Setembro 22). E quando o psicólogo ou psiquiatra morre… por suicídio?. [Web log message] Recuperado de: http://comportamentoesociedade.com.

domingo, 21 de agosto de 2016

A geração dos imaturos para sempre


Estamos vivendo um movimento que lembra a força de uma epidemia. Vivemos cercados de pessoas acometidas por uma espécie de mistura de “Síndrome de Peter Pan”, com “Complexo de Cinderela”, mais uma pitada de “Jeito Pateta de ser” e um tiquinho de “Meu sonho é morar na Disney”. Isso até seria engraçado, se não fosse assustador. E trágico.

Há pessoas que simplesmente não encontram o caminho da maturidade. E nem é que não queiram crescer ou estejam perpetuando a adolescência para além dos trinta, quarenta ou cinquenta anos porque decidiram que é assim que tem que ser. Não! Nada disso!

Simplesmente não sabem como fazê-lo. Existe uma legião de perdidos num limbo da infância emocional eterna, alimentados por um estilo de educação familiar que não percebe o quão danoso pode ser a qualquer um de nós, ser poupado a todo custo de sofrer frustrações, de lidar com as negações, de enfrentar a vida por si mesmo.

Há milhares de famílias, que vão desde os menos favorecidos até os mais abastados, que insistem em criar seus filhos como se eles – os pais – fossem durar para sempre. Alimentam suas crianças e jovens com infinitas mamadeiras de dependência emocional, sob o pretexto de garantir que seus rebentos sejam absolutamente felizes, sempre felizes, todos os dias, o tempo todo.

O resultado de tamanha alienação é a ocorrência de meninos e meninas, que serão meninos e meninas para toda a eternidade. Recém-nascidos para sempre, que esperneiam quando algo não sai do jeito que esperavam. Que amarram a cara, quando não são imediatamente atendidos. Que não fazem a menor ideia de como todas as coisas que os cercam vão parar em suas mãos.

Meninos e meninas com vida sexual ativa. Meninos e meninas que não sabem dar importância ou valorização para a formação acadêmica. Meninos e meninas que chegam à vida adulta, sem ter a menor ideia do quanto de dinheiro é necessário para mantê-los. Meninos e meninas que se consideram adultos o suficiente para beber, para fumar, para amanhecer na rua e voltar para suas casas a hora que bem entenderem. Alguns com carteira de motorista em mãos, mas sem juízo suficiente para sentar-se atrás de um volante ou no banco de uma moto. Muitos, sem nenhuma noção de compromisso e responsabilidade. Perdidos.

E, não, não estou falando que as pessoas precisam viver de forma rígida e azeda. Não estou falando que é proibido ser alegre. Não se trata de não ter o direito de ser criança, ou jovem e se divertir e aproveitar essas fases tão maravilhosas e absolutamente necessárias para que um dia, surja um adulto inteiro.
O grande nó para o qual eu convido a uma boa reflexão é o fato de que estamos assistindo passivamente a inúmeras crianças e incontáveis jovens, sendo privados da experiência fantástica que é passar por essas fases e estar disposto a entrar em outras. Outras fases, tão ricas e bonitas quanto são aquelas pelas quais passamos em nossos anos iniciais.

Crescer é um direito! Amadurecer é tomar posse da própria vida. É ter a chance de fazer escolhas. É experimentar o prazer de andar com as próprias pernas. E errar. E acertar. E tentar outra vez, outra coisa, de outro jeito. Tenhamos a amorosidade necessária para abrir mão de congelar nossos filhos num tempo em que, depois de um tempo, o que era encantador certamente será ridículo. Tenhamos a sabedoria para dar a mão às nossas crianças na travessia da vida, sabendo que vez ou outra é com as mãos livres que se deve andar.


Por Ana Macarini


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A Diferença Entre Querer Morrer e Querer Que a Dor Pare


Eu não quero morrer.

Eu só queria que a dor parasse: a dor que rodeava e apertava meu peito, o peso que envolveu meu cérebro na sombra, a agonia que transformou todo o mundo em escuridão.

Eu precisava disso para cessar a dor.

Não foi um grande trauma que me convenceu que a morte era a minha única opção, mas uma série interminável de pequenas dores que roubaram a minha esperança. A pressão da vida quotidiana tornou-se um assalto implacável: uma mão pesada sobre meu ombro que me esmagava.

Uma manhã eu tive uma discussão menor com meu marido e, como diz o  provérbio sobre colocar mais lenha na fogueira, essa discussão me deixou em pedaços.

E então eu decidi que tinha apenas uma escolha que fazia algum sentido. Senti que todo mundo estaria melhor sem mim.

Eu fiz um plano. Eu escrevi cartas para a minha família. Chorando, telefonei para o meu amado irmão para dizer adeus.

Entretanto, levou poucos momentos para ele compreender o que eu estava fazendo e, em seguida, rapidamente, ele entrou em ação. Ele me cortou, desligou na minha cara e chamou meu marido imediatamente.

Meu marido correu de seu prédio de escritórios e, frenético, me procurou usando um aplicativo em seu telefone. Ele chamou um policial. Chamou a ambulância. Levou-me para o hospital.

Deram-me uma bebida lamacenta em um copo de papel enquanto eu estava deitada na maca, e eu chorei.

Eu não quero morrer.

Eu só queria que a dor parasse.

A escuridão que eu tinha mergulhado era muito espessa. Eu não conseguia mais enxergar meus filhos.

Eu não conseguia mais enxergar a vida que eu tinha construído com o homem que eu havia escolhido 25 anos atrás. Eu não podia enxergar minha família, os irmãos que me conheciam desde o nascimento, os pais que me apoiaram desde antes que eu pudesse lembrar. Eu não podia enxergar meus amigos, que teriam ficado extremamente entristecido comigo se eu tivesse de deixá-los.

Eu não podia ver o amor.

Havia amor em volta de mim, mas esse amor foi empurrado pela escuridão, com força despejado de minha consciência pelo preto sufocante.

No hospital psiquiátrico, eu estava cercada por pessoas cujas experiências foram muito parecidas com o minha. Ouvi histórias familiares. Eu aprendi novas formas de lidar com a minha dor. Percebi que tinha opções. Mais importante, porém, vi que não estava sozinha.

Eu tenho ajuda.

Eu tenho um bom diagnóstico e fui colocada sob medicação que funcionou como um raio de luz no meu cansado cérebro, confuso. Isso não aconteceu da noite para o dia. Levou algum tempo para encontrar as doses certas e as prescrições corretas, mas eu perseverei. Eu mantive firmemente a esperança de que o antídoto certo para a escuridão poderia ser encontrado.

Eu não quero morrer.

Eu só queria que a dor parasse.

E ela parou.

Lenta, mas seguramente, com a terapia e o tempo, a dor parou.

Estou aqui hoje para lutar junto com você: Não desista.

Há uma razão para que você esteja lendo isso agora, neste exato momento no tempo. Esta é uma mensagem que você precisa ouvir. Você não está sozinha. O próprio mundo anseia para você ficar, anseia para você permanecer. A Terra está chamando. Ouça! Lá está, no calor dos raios do sol em cima de seu rosto virado para cima, na brisa fresca que acaricia sua pele, no canto de um pássaro, a maravilha de folhas e flores. A mensagem está lá para ouvir. A Terra está implorando para você não desistir.

Para toda escuridão há um facho de luz pelo qual é possível andar, basta apenas que os olhos sejam liberados do desespero.

Buscar. Falar com alguém. Há amor lá fora; há amor ao seu redor. Só porque você não pode sentir isso agora não significa que ele se foi. Não acredite na escuridão. Ele é uma mentirosa e uma ladra.
Estou feliz por estar aqui hoje.

A chuva cai e o sol brilha. Posso ver meus filhos rirem e chorarem e lutar e crescer. Meus pais estão agradecidos. Meu marido é cuidadoso. Meus irmãos me apoiam. Meus amigos me querem bem. Todo dia eu vejo o amor que eu não podia ver antes.

Eu acreditava nas mentiras que a escuridão me falou, e eu tentei tirar minha vida.
As vezes a vida ainda é uma luta. As vezes o amor parece desaparecer e parece estar longe. Há dias em que eu acordo desanimada e me sinto derrotada. Tem dias que eu ainda quero deixar este mundo (e todas as suas tribulações) para trás. Mas eu continuo colocando um pé na frente do outro, e eu agarro a esperança. Eu falo com os que me rodeiam. Eu tenho um boa noite de sono. Um novo dia amanhece. Eu me sinto melhor.

Eu não tinha que morrer para que a dor parasse.

Você também não tem que querer.


Texto original: The Difference Between Wanting to Die and Wanting the Pain to Stop / By Jennifer Wilson