quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A HISTERIA NOS TEMPOS MODERNOS


Por: Ana Suy Sesarino

A Histeria e o Pré-Édipo

Nos dias de hoje a histeria tem se mostrado de forma mais discreta do que nos tempos de Freud, com relação aos sintomas conversivos. Devido a época em que vivemos hoje, onde as mulheres têm mais espaço para expressarem-se na sociedade, os sintomas histéricos já não são mais tão ostentosos. A histeria não desapareceu, mas cada vez mais ela tem sido diagnosticada e tratada como depressão. Isso porque o sujeito histérico procura permanecer em um constante estado de insatisfação. NASIO (1990) afirma que o sujeito histérico não é homem ou mulher, mas é a dor da insatisfação.

A histeria é uma neurose que aparece principalmente através de distúrbios somáticos. NASIO (1990) diz que sofrer histericamente é converter o gozo intolerável e inconsciente num sofrimento corporal, pois o sujeito histérico dá sentido à sua existência através de seu corpo. A histérica desloca a angústia de castração para o corpo, enfatizando-a. E é por isso que é no corpo que aparece o sintoma histérico. Gozo é uma palavra cunhada por Lacan para expressar que nem todo modo de satisfação é vivido de forma prazerosa. Freud utilizava a palavra satisfação para dizer isso; quer dizer que alguém, ao escolher uma particular forma de satisfação, (ou gozo) pode sofrer demais com isso.

Em exemplo clínico, Lucy, uma moça de 25 anos, atendida ao longo do ano na clínica do NPP, buscou atendimento psicoterápico queixando-se de ardência nos ombros e dores nas costas. Trazia consigo um saber sobre isso: dizia que estava com depressão. A hipótese diagnóstica sustentada é de que se trata de um quadro de neurose histérica.O pré-édipo na meninaFREUD (1933) fala que em toda a relação entre uma menina e seu pai, há que se considerar que houve antes, com igual ou maior intensidade, uma relação de amor com a mãe. A menina goza de sua mãe pela alimentação e pelos cuidados corporais. É o mesmo que dizer que são os primeiros cuidados com a criança que introduzem a sexualidade infantil.

A menina somente chega ao amor do pai pela via do amor da mãe. Essa mudança de objeto de amor ocorre a partir da percepção da própria castração. Ou seja, a menina fica em falta da mãe, na entrada de um terceiro na relação, o pai ou aquele que pode ocupar esse lugar. É à medida que o desejo da mãe se volta para esse outro que a menina percebe que não completa a mãe, que não é tudo para a mãe. E só quando se dá conta de que sua mãe não é completa, mas faltante, assim como ela mesma, que então pode abandonar seu apego primário à mãe e tomar o pai como objeto.

Quando ocorre essa mudança de objeto de amor, com a garantia de que a mãe não irá abandoná-la, pois, que já vivenciou a segurança de seu amor, esta mesma mãe passa a ser desprezada e percebida como prescindível. A filha acusa a mãe de não ter cuidado bem dela, de não lhe ter alimentado o suficiente. Freud afirma: “Mais parece que a avidez da criança pelo próprio alimento é completamente insaciável, que a criança nunca supera o sofrimento de perder o seio materno”. (1933, p. 122).

É o que se torna claro quando se escuta Dora de 27 anos. Mesmo afirmando que a mãe deu-lhe de mamar no peito até os 4 anos de idade, ainda assim, sente-se ressentida porque deixou de ser amamentada quando sua irmã caçula nasceu. Sentiu-se trocada! Hipotetiza-se que, se tivesse sido amamentada ao seio da mãe por mais tempo, ainda assim sofreria com o desmame, já que a criança vive tal experiência como uma perda. De acordo com FREUD (1933, p. 123): “Se possível, a conexão com a frustração oral é mantida: a mãe não podia, ou não iria, dar mais leite à criança, porque necessitava do alimento para o recém-chegado (...) o que a criança não perdoa ao indesejado e intruso rival não é apenas a amamentação, mas sim todos os outros sinais de cuidados maternos”.

A demanda de amor da mulher neurótica implica em não haver limites, nunca o que é recebido é suficiente, algo sempre falta. A menina busca a completude através do falo, e como não encontra algo que a preencha, mantém-se eternamente insatisfeita. A menina sofre por perder o seio materno, não importando em que momento isso se dê. Portanto, afasta-se da mãe por via da decepção e do ódio, acusando-a de não ter sido uma boa mãe, pelo fato de tê-la feito incompleta, assim como a própria mãe o é. Freud (1931) diz que a mulher deseja amor ilimitado e posse exclusiva, e não se contenta com menos que tudo. É numa conferência intitulada ‘Feminilidade’ (1933) que Freud afirma que as meninas responsabilizam suas mães pela falta de pênis e não a perdoam por terem sido, deste modo, colocadas em desvantagem.A relação de ódio com a mãe. Segundo MILLOT (1989) a identificação de uma mulher com sua mãe permite perceber duas camadas distintas: a primeira é a pré-edipiana, em que a mãe é tomada como modelo, sobre a qual se apóia a vinculação afetuosa. E a segunda camada, é advinda do complexo de Édipo, quando a menina procura eliminar a mãe e tomar-lhe o lugar junto ao pai.

A escuta de Emmy, possibilita a verificação disso na experiência clínica. Ela relata que gostaria de fugir com o pai a fim de salvar-lhe da mãe, pois o pai merece uma mulher melhor do que a mãe; ou seja, ela mesma.

Para DOR a vinculação da menina ao pai também é clara: “De fato, no discurso histérico, o pai é constantemente significado como objeto de investimento, alternadamente positivo e negativo.” (1993, p. 53)Castração temida X assunção da castração. A dificuldade de resolução, própria do Édipo feminino, resulta da impossibilidade da formação de um ideal do ego feminino, contraditório em seus termos, o ideal implicando a insígnia fálica. A menina se vê, deste modo, confrontada com a inexistência de uma identidade propriamente feminina. Em outras palavras, para retomar a fórmula de Lacan, “a Mulher não existe”.

A menina não nasce mulher, mas deve tornar-se. Uma ligação com a mãe de extrema intensidade pode dificultar, ou até mesmo impedir esse vir a ser, ou seja, tornar-se mulher. Nada pode ser mais doloroso do que renunciar ao amor da mãe, pois é aí que a menina confronta-se com a sua falta, com sua própria inconsistência ou, dizendo melhor, com a inconsistência de sua identidade de gênero.

A menina tem mágoa do pai porque quando sai do Édipo, ele não lhe dá significante feminino algum. No Seminário 3, Lacan (1955, p. 202) diz que: “ o sexo feminino tem uma característica de ausência, de vazio, de buraco, que faz com que aconteça ser menos desejável que o sexo masculino...”

É também Lacan, (1974) que afirma que a posição do homem e da mulher, enquanto conjugal, determina o lugar da criança na estrutura. O pai deverá estar orientado, ao fazer de uma mulher o objeto a, que cause o seu desejo. Isso porque é ao pai que cabe olhar e dizer que a mulher é desejável, para que a menina sinta que ao tornar-se mulher, terá um lugar e uma identidade garantidos. Assim como cabe à mãe possibilitar a entrada do pai no Édipo do bebê, é ao pai que cabe mostrar uma via de feminilidade à menina, dirigindo seu olhar à mãe.

Na prática, Dora, relata que seus pais têm um casamento infeliz. Então, seu pai desabafa com ela, contando-lhe o quanto é insatisfeito no relacionamento com sua mãe. Dessa forma, o pai dificulta seu interesse pelo lugar de uma mulher, uma mulher desejada, ou seja, com lugar garantido na economia do desejo. Para ela torna-se desinteressante identificar-se a uma mulher, tornar-se mulher, o que resulta em uma saída histérica, que pode se dar através do complexo de masculinidade. Isto é, a garota tem seu interesse despertado por atividades masculinas, por exemplo. Isso significa dizer que é o desejo masculino que a captura na tentativa de constituir pra si um lugar de reconhecimento.

Conforme MILLOT (1989, p. 36)
Observa-se a dificuldade da posição da menina no que diz respeito à identificação na saída do Édipo. Para ela, não há identificação ideal possível, se não for à mulher fálica; ora, é justamente uma identificação “pré-edipiana”. Este impasse resulta de que o ideal inclui precisamente o poder fálico. Isto não facilita as relações da menina com a feminilidade, e a conduz geralmente a uma solução próxima à do menino, que se designa pelo termo de complexo de masculinidade.A histérica se instala no desejo do pai, para saber, desde esse lugar, o que a mulher tem de desejável, e para procurar sentir a mesma sensação experimentada por seu pai, já que por ser possuidor de um pênis, o presume possuidor do falo, ou seja, ele ‘pode’ o que quiser! Segundo Nasio, ela acredita, assim, conseguir simbolizar, talvez, o órgão sexual feminino.

Portanto, pode-se pensar que pelo fato da atual sociedade dar espaço para que a mulher fale, os sintomas histéricos estejam mais discretos. Isso porque a conversão histérica é uma forma da mulher dizer o que ela não pode sobre sua feminilidade. É por isso que diz de forma sintomática, ou seja, anuncia que há algo a ser dito, mas que ela não pode dizer. E é para isso que a histérica procura ajuda, para que sua feminilidade possa ser decifrada.

Referências:
FREUD, S. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
__Volume XXI – Sexualidade feminina
__Volume XXII – A feminilidade
LACAN, J. RSI. Inédito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, (1974-5).
LACAN, J. As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
MILLOT, C. Nobodaddy a histeria no século: Jorge Zahar Editor, 1989.
NASIO, J. A histeria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990

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