sábado, 27 de setembro de 2014

Do Juízo Estético


Toda a arte pressupõe regras na base das quais uma produção, se deve considerar-se artística, é representada, em primeiro lugar, como possível; mas o conceito das belas-artes não permite derivar o juízo sobre a beleza da produção de qualquer regra que tenha um conceito como princípio determinante, em virtude de pôr como fundamento um conceito do modo por que tal é possível. Assim, a arte do belo não pode inventar ela mesma a regra segundo a qual realizará a sua produção. Mas, como sem regra anterior um produto não pode ser artístico, é necessário que a natureza dê a regra de arte ao próprio sujeito (na concordância das suas faculdades), isto é, as belas-artes só podem ser o produto do génio.

Daí se conclui: 1º Que o génio é o talento de produzir aquilo de que se não pode dar regra determinada, mas não é a aptidão para o que pode ser apreendido consoante uma qualquer regra; portanto, a sua primeira característica é a originalidade. 2º Que as suas produções, visto que o absurdo também pode ser original, devem simultaneamente ser modelos, isto é, ser exemplares; por consequência, não sendo obras de imitação, têm de ser propostas à imitação das outras, isto é, servir-lhes de medida ou de regra critica. 3° Que ele mesmo não pode indicar cientificamente como leva a cabo a sua obra, mas que dá, enquanto natureza, a regra; portanto, o autor de uma obra devida ao seu génio não sabe de onde lhe vêm as ideias e não depende dele concebê-las a seu grado ou segundo um plano, nem comunicá-las a outros em prescrições que os habilitariam a produzir obras semelhantes. (...) 

Tal mestria é incomunicável, é propiciada directamente a cada qual por intermédio da natureza, desaparece, pois, com cada um até que a natureza confira a outro os mesmos dons; e a este mais não resta que ter um modelo para deixar manifestar-se de tal modo o talento de que tem consciência. 
Visto que o dom da natureza deve estabelecer a regra da arte (belas-artes), qual é, pois, tal regra? Não é possível formulá-la para servir de preceito, pois que nesse caso o juízo sobre o belo seria determinado por conceitos, mas a regra deve ser extraída do acto mesmo, isto é, do produto, deve servir aos outros de pedra de toque para o seu próprio talento, como um modelo para uma imitação que não deve ser servil. Como é tal coisa possível? Eis o que é difícil esclarecer. As ideias do artista despertam no discípulo ideias semelhantes, se a natureza dotou este de faculdades equivalentes. Os modelos da arte são, pois, os únicos guias que podem perpetuá-los. 


Emmanuel Kant, in 'Critíca do Juízo'

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A Morte



O homem só vive no presente, que foge irresistivelmente para o passado, e afunda-se na morte: salvo as consequências que podem refletir-se no presente, e que são a obra dos seus atos e da sua vontade, a sua vida de ontem acha-se completamente morta, extinta: deveria portanto ser-lhe indiferente à razão que esse passado fosse feito de gozos ou de tristezas.

O presente foge-lhe, e transforma-se incessantemente no passado; o futuro é absolutamente incerto e sem duração... E assim como sob o ponto de vista físico o andar não é mais do que uma queda sempre evitada, da mesma maneira a vida do corpo é a morte sempre suspensa, uma morte adiada, e a atividade do nosso espírito um tédio sempre combatido... É preciso enfim que a morte triunfe, pois lhe pertencemos pelo próprio fato do nosso nascimento e ela não faz senão brincar com a presa antes de a devorar.

É deste modo que seguimos o curso da nossa existência, com um interesse extraordinário, com mil cuidados, mil precauções, durante todo o tempo possível, como se sopra uma bola de sabão, aplicando-nos a enchê-la o mais que podemos e durante muito tempo, não obstante a certeza que temos de que ela acabará por rebentar.

A morte é o gênio inspirador, a musa da Filosofia... Sem ela ter-se-ia dificilmente filosofado.

É a solução dolorosa do laço formado pela geração com voluptuosidade, é a destruição violenta do erro fundamental do nosso ser; o grande desengano.

...Não Faz Senão Brincar Conosco Antes de Nos Devorar!


Arthur Schopenhauer