domingo, 16 de junho de 2013

Falso Self

Por: Juliana Horta

A voz, o toque e os primeiros contatos com o infante provém de sua mãe. É na amamentação do peito materno que a criança estabelece o vínculo afetivo e define a sua segurança emocional para o seu desenvolvimento psíquico adequado.
Sendo o rosto da mãe, o primeiro espelho da criança, sem dúvida alguma, quando esta fracassa na manutenção das necessidades primárias de seu filho (infante), algo instaura-se em sua personalidade para protegê-lo deste isolamento afetivo.
A personalidade recorre ao que chamamos de “ipso facto”, a personalidade do “falso self”.
É certo que esta mãe, inábil no cuidado com seu filho, não encontra em si mesma, a possibilidade de acessar o “self” verdadeiro, que representa a fonte de sua própria espontaneidade e sensibilidade e de contato com seus conteúdos inconscientes e o seu manancial de sabedoria.
Possivelmente, o enrijecimento desta mãe, decorrente de algum complexo, a remete à impossibilidade com sua própria feminilidade, não permitindo que encontre em si mesma os recursos para confrontar-se com seu inconsciente. 
Muito provavelmente, esta mãe não deva ter recebido, ela mesma, os cuidados que lhe permitissem cuidar.
O filho, para proteger-se da rigidez das próprias defesas de sua mãe, acaba por desenvolver um ”falso self”.
É na sua total ansiedade, insensibilidade, desatenção, hipocondria, manias, depressões, que esta mãe fracassa em atender e assistir as necessidades primárias de seu bebê.
Com o Verdadeiro “Self” encapsulado e oculto, o filho desta mãe, distancia-se da expressão e contato com a realidade.
Sua vida adulta passa a ser vivida através de uma fachada falsa, adaptativa e o indivíduo passa com facilidade a assumir papéis, por sua imensa facilidade e tendência às imitações, identificações e atender às exigências do meio externo.
O indivíduo vive em relação a algo que não é legitimamente seu, perde a sua originalidade, vive um estado de não ser, agindo como ator, representando e alimentando-se de futilidades.
No grupo social, se comporta de maneira envolvente, sedutora, porém indiferente às questões alheias e sociais.
Encanta os demais por sua arte em agradar e é considerado como alguém que é a mais normal de todas as pessoas, um indivíduo acima de qualquer suspeita, não sendo raro, encontrarmos um “falso self”, em profissões importantes, tais como a Política, por exemplo.
Em termos muito gerais, há várias gradações de “falso self”, sendo esta defesa, em alguma medida, necessária até à  sobrevivência social.
Porém, a questão do “falso self” se apresenta como um problema clínico, de ordem psicoterapêutica quando o ”falso self” se instala como prótese do verdadeiro “Self” para protegê-lo de angústias impensáveis, fazendo com que o indivíduo perca (ou, que, nunca tenha podido ter) totalmente o contato com a fonte de sentido e vitalidade, que é própria do “Self” verdadeiro.
Nesse caso, através de uma organização defensiva, o indivíduo opera no mundo a partir de uma reação ao ambiente, comportando-se de maneira adaptativa, adequando-se em relação àquilo que ele infere ser esperado dele, mas sem, de fato, experienciar a vida.
Essa organização defensiva acontece para proteger o verdadeiro “Self” de invasões que, do ponto de vista do ego, seriam intoleráveis.
Porém, o indivíduo entra em angústia quando a sua realidade passa a não fazer sentido e ele percebe que sempre acaba por substituir o sentimento de sua experimentação pela vida pela imitação do que seria esta possibilidade.
A sua vida, segundo Winnicott, é experimentada como um sobreviver sem viver, uma vida fútil, nula e em branco.
A conseqüência negativa desta forma de se organizar é a manutenção de um sentimento de não existir, de não ter contornos.
A única defesa (automática)  é o uso da máscara sem a qual fracassa no lidar com seus afetos, retirando-se num estado esquizo-afetivo para um mundo vazio de significados à procura do que lhe fora um dia negado pelo ambiente que já o aguardava antes mesmo de nascer.
Ao confrontar situações limites, tenderá a proteger-se, manter silêncio, dissimular, mentir.
E, às vezes, como recurso extremo, será obrigado (inconscientemente) a se exilar no território das patologias.
É sugerido, na literatura, que a etiologia do “falso self” se funda na violência. Pode não se tratar da truculência explícita da tortura, do crime, das guerras, da produção de miséria material, mas, sim, da violência ancorada na incapacidade de empatizar com o outro.
Jung propôs formulações sobre o fenômeno do Self enquanto possibilidade de abertura ao inconsciente coletivo, requerendo a integração de aspectos que transcendem um funcionamento meramente pessoal.
Apontou que o contato com o verdadeiro “Self” requer um indivíduo engajado consigo mesmo, com recursos pessoais que possam permiti-lo dar conta de atravessar os labirintos abrigados em si mesmo, simbolizando seus processos, caminhando no sentido, não de dissecar o mistério, mas abarcá-los em si.
Desse modo, Jung enfatiza a necessária coragem implicada no processo de individuação que, em última instância, implica o contato com uma solidão básica e essencial.
Winnicott ressalta que, embora não possamos escapar da angústia inerente ao existir (na qual está implicada uma solidão básica e essencial), a possibilidade de alguma independência e autonomia só pode ser obtida a partir da existência do outro, pois, desde o absoluto início, dependemos do cuidado generoso de alguém.

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