Resumo: Este trabalho aborda uma analise do Símbolo do Diabo a partir da capa do disco Reign In Blood da Banda Norte Americana Slayer tendo o enfoque a partir da Psicologia Analítica. Dessa forma, busca-se compreender quais os significados deste Símbolo presente nesta capa de disco e suas possíveis influencias na vivencia da tribo urbana dos Headbangers.
Palavras
Chave: Diabo,
Heavy Metal, Headbangers, Símbolos, Psicologia Analítica.
Introdução:
Faz mais
de três décadas desde que o primeiro som de guitarra pesado e distorcido surgiu
e teve as atribuições que o distinguiram do rock n’ roll para ser reconhecido
como Heavy Metal. Erguendo do subsolo aqueles que por de trás da força e
do peso da música se encontravam e se uniam num espaço antes inexistente. Este
espaço se consolidou e passou a ser conhecido como Underground, enquanto
os que o compartilham passaram a se reconhecerem como Headbangers - que
possuem a música Heavy Metal como referência central deste espaço com
suas particularidades enquanto tribo urbana.
A década
de 1980 até hoje é tida como “os anos dourados” do Heavy Metal, tanto em
contexto de música, quanto em questão de consolidação do espaço Underground
e a formação de suas principais singularidades. Entre elas, as utilizações de
alguns Símbolos se tornaram marcas da identidade dos Headbangers e se
repetem até hoje, mais de trinta anos depois. O exemplo das vestes pretas ou do
“chifre do diabo”, o mosh-pit e o “bate-cabeça”, que junto com outros Símbolos
e gestos se somaram ao sonho de fazer e viver Heavy Metal passou a dar
um novo significado a vida cotidiana de incontáveis fãs ao redor do mundo,
identificando-os e lhes dando força. O Underground se tornou uma rede de
informações, de produção artística e mercado que gira em torno do gênero
musical e dos Headbangers, desde vendas de itens manufaturados e
industrializados, produções profissionalizadas e independentes de bandas do
gênero e etc. E ao longo dos anos vêm se expandindo cada vez mais, ganhando
novos horizontes, graças às novas tecnologias que facilitam o acesso a estes
materiais e informações.
O Underground
cresceu e se fortaleceu anos a fio com o Heavy Metal longe dos meios de
comunicação das grandes massas. Pois estes priorizam a músca pop[1]que
por sua vez possui uma estética totalmente avessa ao que o Heavy Metal
propõe a fazer. Porém mesmo longe dos grandes centros mercadológicos, onde
ficam concentrados os aspectos de grande giro de capital. Assim os Headbangers
produziram em seu próprio espaço mecanismos para que “o fazer e viver Heavy
Metal” fosse possível. Com isso foi possível preservar as principais
características da tribo urbana ao longo do tempo. Algo que os diferenciou de
outras tribos urbanas e movimentos que surgiram ao longo dos últimos trinta ou
quarenta anos, tal como o hippie ou o punk, que apesar dos
respectivos legados históricos, hoje já se encontram tão defasados e, ou
descontextualizados, a ponto de serem introduzidos à cultura comum, de modo
generalizado, deixando de ser algo totalmente a parte.
O Underground
pode ser entendido como uma comunidade simultânea ao cotidiano comum, um
sistema subversivo com sua dinâmica própria. Onde a música, a estética, os Símbolos
e a identificação se uniram e enraizaram de modo que se tornou algo a parte,
porém, para um leigo, provavelmente esse mundo nunca existiu e pode viver a
vida inteira sem o perceber, talvez, sem jamais perceber a tamanha complexidade
visualizando apenas alguns cabeludos vestidos de preto, agitadores de expressão
carrancuda, que ouvem músicas barulhentas – estereotipicamente falando. Os Headbangers
levam o Heavy Metal como uma segunda pele, assim o Underground se
alastrou para lugares antes, nos primórdios do gênero musical, jamais
imaginados, e estes, por sua vez, tornaram-se extensões do Underground,
assimilando sua cultura e produzindo em prol do Heavy Metal. Lugares
como Egito, China, Indonésia e Israel, que se pouco tem em comum enquanto
paises, os Headbangers têm muito (DUNN; McFADYEN, 2008).
Contudo,
diante da gama de possibilidades de estudo perante a uma linha histórica que
atinge mais de três décadas, aqui será abordado apenas alguns dos aspectos
principais, tomando como centro o Símbolo do Diabo a partir de
uma analise dos elementos Simbólicos presentes no disco Reign in
Blood da banda norte americana Slayer. Então, por que
especificamente esta banda e este disco para tratar de algo tão amplo?
Sumariamente, por uma questão de ponto de partida, um norte para a
intencionalidade do projeto. Em segundo lugar por que é um disco que possui uma
temática controversa rendendo todo um livro – Reign In Blood de D. X.
Ferris (2008) – ao passo que a banda também possui fãs ao redor do mundo
que, hoje ainda discutem o disco, como em Global Metal (DUNN; McFADYEN,
2008) no qual um Headbanger israelense discute uma das músicas do disco
por tratar sobre o Anjo da Morte [2], o nazista Joseph Mengele. Assim como a
expressividade do disco ao receber em 2004 uma releitura em DVD, tanto da arte
da capa modificada em alguns aspectos, quanto ao fato de ter sido executada ao
vivo as músicas do disco na integra para a gravação, sob o titulo Still
Reigning [3], o que mostra sobre representatividade do disco para os Headbangers.
Assim, o Slayer e o disco Reign in Blood parece ter tido muito
que dizer aos Headbangers de 1986, quando o original foi lançado, quanto
tem aos da atualidade, além de ter o Diabo como tema central da história
do disco.
Sendo o Diabo
uma das figuras com significativa presença no universo simbólico do Heavy
Metal como em capas de discos, letras de música e etc. Pretende-se aqui
trazer a tona os possíveis significados do Símbolo e a sua possível
influencia na vivência dos Headbangers, pois se trata de algo singular e
pouco explorado seja pela arte e pela cultura ocidental de modo geral, sendo
este também um tema que abordado pode nos levar um pouco mais fundo em um
contexto desconhecido da experiência humana coletiva através das expressões dos
Símbolos.
Principais Conceitos da Psicologia Analítica
Primariamente
devem ser esclarecidos alguns dos principais pressupostos da Psicologia
Analítica. Por tanto, a priori, apontar sobre o que seria o Consciente
e o Inconsciente na perspectiva da teoria formulada por C.G. Jung
torna-se apropriado. Por tanto nos postulados de Jung provenientes de seus
estudos acerca da mente humana, esta foi dividida em Consciente, Inconsciente
Pessoal e Inconsciente Coletivo.
Abrangendo
sobre a psique nos pressupostos da Psicologia Analítica afirma-se
que, “na área do Consciente desenrolam-se as relações entre conteúdos
psíquicos e o Ego, que é o centro do Consciente“ (SILVEIRA, 2003,
pág. 63), no qual o Ego tem a função de se relacionar e “filtrar” os
conteúdos que surgem do Inconsciente. O Consciente pode ser
definido simplesmente como o estado de vigília e os conteúdos acessíveis por
viés induzido, entretanto, sem haver alguma definição mais aprofundada da
posição do Ego, esta se torna simplória em excesso para explicar o
funcionamento completo do Consciente, por tanto, “Jung define o Ego
como um complexo de elementos numerosos, formando, porém, unidade bastante
coesa para transmitir a impressão de continuidade e de identidade consigo
mesma” (SILVEIRA, 2003, pág. 63).
Por outro
lado, o Inconsciente Pessoal é constituído por elementos que
atravessaram a experiência sensorial do individuo, mas não possuiu energia
psíquica o suficiente para permanecerem no consciente. Mais detalhadamente como:
O Inconsciente Pessoal
se compõe, primariamente, daqueles conteúdos que se tornaram Inconscientes,
seja porque perderam sua intensidade e, por isto caíram no esquecimento, seja
porque a consciência se retirou deles (é a chamada repressão) e, depois, daqueles
conteúdos, alguns dos quais percepções sensoriais do consciente que nunca
atingiram a consciência, por causa de sua fraquíssima intensidade, embora
tenham penetrado na consciência de algum modo (JUNG, 2000, pág. 45).
O Inconsciente
Pessoal pode desenvolver energia psíquica para romper as barreiras do Ego
e permear o Consciente em momentos de vulnerabilidade, ocasionando os
atos falhos no estado de vigília e sonhos durante o sono.
Por
último, na estrutura da psique, está o Inconsciente Coletivo, no qual se
encontram as funções mais primitivas da psique, que como herança imemorial de
possibilidade de representação, não é individual, mas comum a todos os homens,
e constitui a verdadeira base do psiquismo individual, elucida Jung (2000).
Para aprofundar mais no assunto pode ser abordada então a questão dos Símbolos,
que na visão Analítica, trata-se de uma linguagem complexa da qual o Inconsciente
Pessoal se utiliza para expressar os Arquétipos, sendo estes os
conteúdos que permeiam o Inconsciente Coletivo.
Os Arquétipos
são de mensuração impossível, por tanto também foge à possibilidade de
compreender os Símbolos de maneira completa, desta forma, “o Símbolo
é uma forma extremamente complexa. Nela se reúnem opostos numa síntese que vai
além das capacidades de compreensão disponíveis no presente e que ainda não
pode ser formulada dentro de conceitos” (SILVEIRA, 2003 pág. 71). Uma
representação de um determinado Símbolo pode ter diversas interpretações
e significados se analisados a fundo, a exemplo de ilustração pode-se levar em
conta a cruz e a mandala.
Para
ampliar ainda mais o que são os Símbolos para Jung, deve-se dizer algo
mais sobre o que vem a ser o Inconsciente Coletivo e os Arquétipos.
Portanto, pode-se descrever o Inconsciente Coletivo como sendo as
camadas mais profundas do Inconsciente. Nestas camadas em que residem os
Arquétipos, Silveira (2003 pág. 68) elucida o pensamento de Jung
sobre a questão, “incansavelmente ele repete que os Arquétipos são
possibilidades herdadas para representar imagens análogas ou similares, são
formas instintivas de imaginar”. Assim como já dito anteriormente, os Arquétipos
são uma instância de natureza, que em si, é desconhecida, pois não
disponibilizamos de instrução ou instrumentos que nos permitam chegarmos a tal
mensuração:
Devo reconhecer minha ignorância.
Mas na medida em que os Arquétipos se revelam eficazes, são para
mim efetivas, se bem que eu não saiba em que consistam realmente. É
verdade que isso é válido não só em relação a eles, mas à natureza mesma da
psique (JUNG, 1986 pág. 135).
Uma das
formas mais comuns da representação do inconsciente na linguagem Simbólica
se passa na vida onírica do sujeito, ou seja, nos sonhos. Assim como também
está presente nas representações quando se está de vigília, trazendo mensagens
do Inconsciente, quando este interage com o Consciente ultrapassando
as barreiras do Ego. Portanto a natureza dos Símbolos pode ser
entendida como algo dinâmico e presente no universo da vida psíquica do homem:
Os Símbolos têm vida. Atuam.
Alcançam dimensões que o conhecimento racional não pode atingir. Transitem
intuições altamente estimulantes, prenunciadoras de fenômenos ainda
desconhecidos. Mas desde que seu conteúdo misterioso venha a ser apreendido
pelo pensamento lógico, esvaziam-se e morrem (SILVEIRA, 2003 pág. 72).
Parece
claro também o porquê da maior fonte de Símbolos serem os sonhos. Nos
quais estes atuam livremente e de maneira dinâmica nas representações oníricas
que não se colocam nos juízos de valor típico do Ego do homem. Porém, o Inconsciente
mostra muito mais do que os Símbolos, provenientes dos intangíveis Arquétipos,
mas também o caminho para que se encontre dentro de si mesmo. Ou seja, a Individuação
do sujeito. Que por sua vez, trata-se de um processo de evolução psíquica, a
busca pela completude individual e a tomada de Consciência deste
processo atuando no mesmo.
Para tal
o individuo deve passar pelas fases que caracterizam o Processo de Individuação,
sendo que as mesmas consistem no confronto do Inconsciente com o Consciente.
Entretanto deve-se levar em consideração que: “Aquele que busca individuar-se
não tem a mínima pretensão a tornar-se perfeito. Ele visa completar-se,
o que é muito diferente” (SILVEIRA, 2003 pág. 78), pois esta é uma das falsas
interpretações do real significado proposto pela Psicologia Analítica
para este processo.
O Processo
de Individuação pode ou não fazer parte da vida psíquica do individuo, a
maioria dos sujeitos, nunca toma consciência desse processo, nunca chegando a
individuar-se. Mas o que de fato ocorre neste Processo? Inicialmente
pode-se ter uma conotação de uma aprendizagem de algo que leva o individuo a um
estado diferente consigo mesmo, mas se ao mesmo tempo não é a perfeição, qual a
sua importância?
Aqueles que não se diferenciam
permanecem obscuramente envolvidos numa trama de projeções, confundem-se,
fusionam-se com outros e desse modo são levados a agir em desacordo consigo
mesmo, com o plano inato do próprio ser (SILVEIRA, 2003 pág. 89).
Mas
individuar-se não é uma simples questão de escolha, o sujeito deve se tornar
ciente do mesmo, dar-se conta de si mesmo e aceitar-se perpassando um processo
longo e árduo no qual é necessário enfrentar os seus demônios para por fim:
O homem tornar-se ele mesmo,
um ser completo, composto por consciente e Inconsciente, incluindo
aspectos claros e escuros, masculinos e femininos, ordenados segundo o plano
de base que lhe for peculiar (SILVEIRA, 2003 pág. 88).
A citação
acima ainda coloca de forma evidente como a psique possui características de
polaridade, ou seja, inversos, tal compreensão pode demonstrar o sentido de
totalidade possibilitado pela psique passível de alcanço através do Processo
de Individuação. Sendo que o Processo de Individuação pode
ser compreendido como um caminho ao qual o Inconsciente nos convoca por
via de metáforas, e que pode ou não ser reconhecido pelo sujeito.
O Processo
de Individuação, para a Psicologia Analítica, é inerente à
psique do homem, representando a sua particularidade bipolar e as
representações sobre si mesmo que ela agrega no Inconsciente Individual.
Portanto, por medida de relevância para a pesquisa proposta é necessário
ampliar o conceito de Anima e Animus assim como Persona e Sombra,
Arquétipos fundamentais do processo de Individuação.
Sobre Anima
e Animus deve-se levar em conta a questão do masculino e feminino, no
sentido de polaridades distintas, mas presentes no Inconsciente Coletivo,
ou seja, em todos os homens e mulheres. No caso, o Arquétipo masculino
sendo o Animus e o feminino a Anima, possuindo o seu oposto como
equivalente, psiquicamente representando o masculino e feminino que existe em
minoria no oposto, como o lado feminino do homem e o lado masculino da mulher.
Logo “há
uma imagem coletiva da mulher no Inconsciente do homem, com o auxilio da
qual ele pode compreender a natureza da mulher” (JUNG; Carl G. 2008, pág. 77) o
que ocorre com a mulher de forma oposta. As imagens coletivas do masculino e do
feminino possuem suas respectivas particularidades e relação de opostos que
complementam uma a outra, desta forma a Anima esta ligada à vida como um
fenômeno natural espontâneo, os instintos, a intuição, a vida da Terra, da
emotividade, que nós dirigimos as coisas e as pessoas (WHITMONT, 1998). Por
outro lado o Animus (SILVEIRA, 2003) é representado, por exemplo, em
sonhos e mitos em formas de animais selvagens, demônios, príncipes, criminosos,
heróis, feiticeiros etc. Essas representações de Anima e Animus fazem
parte do individuo e é necessário que ele a integre de uma forma positiva para
que conheça o seu oposto e com ele consiga se relacionar de uma forma saudável.
Persona e Sombra são composições
singulares e opostas que assim como a Animus e a Anima se
complementam. Enquanto a Persona está no Consciente do homem,
regulando seus comportamentos e sua personalidade, fazendo de si mesmo uma
máscara de roupagem o mais próxima do ideal do Ego. Enquanto a Sombra
se torna uma contrapartida da Persona, relegada ao Inconsciente,
escondendo involuntariamente da Consciência por serem considerados por
si mesmos inadequados e inaceitáveis para o convívio social.
A Persona lança fora de
seu campo de Consciência todos os elementos – emoções, traços de
caráter, talentos e atitudes – julgados inaceitáveis para as pessoas
significativas do seu meio. Esse mecanismo produz no Inconsciente uma
contrapartida de si mesmo a que Jung chamou ‘Sombra’ (OCAÑA, 2008, pág.
4, 5).
Ocaña
esclarece acima o pensamento de Jung acerca de Persona e Sombra e
simultaneamente expressa a natureza oposta das funções que exerce na psique.
Entretanto ainda pode nos oferecer uma percepção errônea na qual a Persona
seria algo positivo enquanto que a Sombra é o lado obscuro e que deve
ser de fato renegado ao Inconsciente esquecido, para jamais ser
lembrado, entretanto é muito importante para o Processo de Individuação,
a busca pela totalidade.
Para Jung, a Sombra é um
tesouro escondido no nosso campo, uma fonte potencial de riqueza que não está
ao nosso alcance porque a mantemos enterrada. Aquilo que não queremos ser
contém precisamente aquilo que nos faz completos. (OCAÑA, 2008, pág. 5).
Portanto,
diferente do que sugere a priori, a Sombra não guarda apenas os
aspectos negativos e maléficos da totalidade da psique do homem “mas também na
sombra poderão ser discernidos traços positivos: qualidades que não se
desenvolveram devido a condições externas desfavoráveis” (SILVEIRA, 2003, pág.
81), condições estas que exigem do sujeito energia psíquica para ultrapassar
convenções estabelecidas pelo contexto social às quais o sujeito quer se
identificar.
A Sombra
pode se manifestar de inúmeras formas na psique do sujeito, uma delas é durante
o sonho, no qual se revela e mostra o lado da moeda ao qual não queremos ver,
desta maneira “nos sonhos e nos mitos, portanto a Sombra aparece como
pessoa do mesmo sexo que o sonhador” (JUNG, 2004, pág. 169). O que pode
identificar o sujeito com sua Sombra mais diretamente e se enxergar nela
de maneira que o incomode.
Por outro
lado na identificação plena com a Persona, o sujeito se afasta da sua
totalidade e se torna apenas a sua função e representação social, ou seja:
O indivíduo funde-se então com
seus cargos e títulos, ficando reduzido a uma impermeável casca de
revestimento. Por dentro não passa de lamentáveis farrapos, que facilmente será
estraçalhado se soprarem lufadas fortes vindas do Inconsciente
(SILVEIRA, 2003, pág. 80).
Portanto
o Inconsciente nos impulsiona ao processo de Individuação, em
busca da totalidade, e o contato com a Sombra é uma fase delicada do
processo.
Jung
ainda nos elucida sobre o processo de Sombra Coletiva no qual o homem
que só, pode estar bem e desempenhando sua vida psíquica de maneira tranquila
“mas assim que se encontra com ‘os outros’ comporta-se de maneira primitiva e
maldosa começa a ter o medo de o considerarem tolo se não fizer o mesmo” (JUNG,
2004, pág.169). Assumindo assim a Sombra que não lhe pertence,
desencadeando uma série de congregações nocivas, a exemplos dados por Jung em O
Homem e Seus Símbolos (2004), o Kun Klux Klan, o fascismo, o nazismo, a dança
de São Vito [4] a inquisição católica entre outras.
Por fim,
pode-se dizer que a perspectiva da Psicologia Analítica trás uma gama de
possibilidades que abarcam o mais próximo da totalidade do sujeito, tendo este
também como um de seus focos centrais na compreensão de homem. Portanto,
para se compreender os fenômenos coletivos e seus significados. De forma a não
limitá-los em enquadramentos reducionistas, mas sim explorar ao máximo suas
possibilidades, é que, o enfoque Analítico com sua perspectiva de
sujeito ampla, aliada ao seu entendimento da origem e importância dos Símbolos
no processo psíquico do mesmo. Permite buscar compreender a utilização dos Símbolos
tanto num processo coletivo, quanto a sua relevância na vivencia psíquica
individual. Sendo aqui proposto o enfoque no Símbolo do Diabo
apresentado na capa do disco Reign in Blood.
Heavy Metal: Da Música à Irmandade.
O gênero
musical atualmente conhecido como Heavy Metal não tem uma data
específica para o seu surgimento “oficial”, porém sabe-se que no final da
década de 1960 foi que se constituíram as bases que hoje identificam a música.
Musicalmente o Heavy Metal herdou as práticas sonoras do blues
afro-americano, do rock ‘n’ roll e do psicodelismo adicionando um volume
altíssimo, distorção e peso, focado principalmente na guitarra elétrica segundo
Jeder Janotti (2004), que ainda enfatiza: a performance de um
guitarrista do gênero musical necessita de técnicas e equipamentos especiais,
como pedais de efeitos e amplificadores para a criação das especificidades de
sua sonoridade, evidenciando assim a sua postura central com relação à execução
de uma música do gênero.
Outro
aspecto que deve ser levado em consideração sobre a própria musica é a sua
origem, ou ao menos o que muitos fãs e críticos acreditam ser o berço do Heavy
Metal, a Inglaterra, entre jovens brancos da classe trabalhadora de regiões
industriais, ou seja, jovens que conviviam intensamente com realidades adversas
como o desemprego e o preconceito social. Ambiente este que influencia na
origem da nomenclatura que foi dada ao gênero musical, que Jeder Janotti
elucida (2004, pág. 20) como o nome que traduzido literalmente significa “metal
pesado” que congrega significações de “armamento pesado”, de pessoas com grande
habilidade física/mental e de componentes químicos tóxicos.
A
rotulação que passou a identificar o gênero musical é uma “honra” reivindicada
por bandas e músicos como Black Sabbath e Alice Cooper, foco
também de longas discussões tanto por críticos especializados e fãs que buscam
determinar a origem do Heavy Metal.
Em 2005,
o antropólogo canadense Sam Dunn em conjunto com Scot McFadyen lançou um
documentário sobre a música e seus fãs (Metal: A Headbangers Journey),
no qual ele entrevista ídolos, críticos e fãs do gênero, evidenciando esta
discussão acerca das origens que deram corpo ao Heavy Metal e quais
foram os seus verdadeiros pioneiros. Como as definições variam em relação à
banda fundadora “oficial”, deve-se colocar em evidência as bandas britânicas
que mais recebem esta incumbência, como Led Zeppelin, Black Sabbath
e Deep Purpple, sendo que, a que mais leva a fama entre críticos e fãs é
a segunda das três citadas, o que fica bem marcado inclusive no mesmo
documentário supracitado. Em sua trajetória, estes grupos obtiveram grande fama
e sucesso fora do Reino Unido, principalmente na América do Norte.
Embora no
final de 1960 e início de 1970 o Heavy Metal já esboçasse o corpo que
viria a ter mais tarde, “foi somente na década de 1980, com o surgimento de
várias bandas de metal na Inglaterra, conhecido como New Wave of
British Heavy Metal [5], que passou a se constituir, num agrupamento urbano
cosmopolita” (JANOTTI, 2004, pág. 23). É na década de 1980 que alguns elementos
passam a se tornar características do universo Heavy Metal, assim como a
origem do nome que define os fãs do gênero, Headbangers – literalmente
“batedores de cabeça” - que tem origem no bangear [6], movimento rítmico
e rígido com a cabeça. Janotti (2004, pág. 24) esclarece ainda que foi durante
este mesmo período que o gênero aportou em outros países, a exemplo de Alemanha
e Brasil.
Indubitavelmente,
os anos de 1980 foi período que o heavy metal teve os “seus anos
dourados”, com o surgimento de inúmeras bandas pelo mundo, fanzines [7],
lojas e revistas especializadas, grandes turnês etc... Entretanto havia certa
diferenciação entre o que se produzia na Europa em relação aos EUA desde o
principio. Bandas surgidas na época na Inglaterra como o Iron Maiden,
valorizavam temáticas sombrias, o peso e se baseava tanto em fatos históricos,
filmes de terror quanto na literatura de autores como Edgard Alan Poe (JANOTTI,
2004).
Os
americanos, a exemplo de Van Halen, valorizavam em suas temáticas o
estrelato, o dinheiro, a fama e mulheres (JANOTTI, 2004, pág. 25), o que de
certa forma pode ilustrar a diferença de características que influenciavam os
contextos cotidianos dos adolescentes da época na Europa, que se aproximam
muito mais do sombrio [8], enquanto que nos EUA havia uma influencia do
capitalismo selvagem do governo de R. Reagan unida a uma face dionisíaca
do “sonho americano”.
A versão
americana que existia então acabou sendo ignorada pela maioria dos Headbangers
e acabou recebendo posteriormente a denominação de Glam Metal,
enquanto que as bandas do mesmo período do continente europeu passaram a ser
mais valorizadas, sendo hoje ainda reconhecidas como verdadeiro Heavy Metal
clássico (JANOTTI, 2004, pág. 25). Este período estabeleceu também um
inicio para se demarcar cada vez mais o que vem a ser Heavy Metal.
Inclusive esta característica passou a ser assimilada pelos Headbangers
de todo o mundo com a difusão da música, um aspecto que acabou por reforçar a
introversão características de uma tribo urbana que se tornaria cada vez mais
seleta, passando a chamar o seu próprio cenário musical e estilo de vida como Underground
– subsolo.
Este
contexto reitera a idéia do Heavy Metal ser algo à parte do resto do mundo, no
qual a música pop e seus aspectos estéticos seriam desqualificados. Uma
identificação ainda maior com o sombrio se torna perceptível, já que o espaço Underground
por si só já traz uma idéia de um lugar escuro e melancólico, o purgatório,
mais próximo do inferno do que do céu. Embora possa sugerir questões negativas
para os não Headbangers, para estes é algo mais próximo de um espaço
sagrado, onde subvertem a realidade e o cotidiano de suas vidas.
O Underground
foi assimilado por grande parte dos músicos do gênero, o que acabou se
evidenciando com a exclusão da maioria das bandas de Heavy Metal das
grandes gravadoras e relegando as mais novas ao espaço de produção alternativa,
com divulgações em fanzines [9] e gravações de discos em selos independentes
de produção que passaram a ocorrer em grandes proporções. Desta forma, em
antítese aos músicos de Glam Metal, na Califórnia (EUA), ainda na década
de 1980 uma nova maneira de fazer Heavy Metal, o Thrash/Speed Metal.
Pesado e sombrio como o Heavy Metal tradicional, porém incorporando
elementos do Hardcore, ou seja, uma maior agressividade, adicionada à
rapidez e humor sarcástico, são os principais aspectos que diferenciam o modelo
“tradicional” do Thrash/Speed metal (JANOTTI, 2004, pág. 26). Com
bandas como Metallica, Testament, Slayer, Exodus e Nuclear
Assault que falam de temáticas como os perigos nucleares, o medo do avanço
tecnológico, horrores cotidianos e críticas ácidas a religiões.
Por ser
um termo genérico e que é aceito como auto-referencial para os apreciadores de Heavy
Metal, ou ao menos a grande maioria, em detrimento de alguns outros como Metalhead,
mais comum nos EUA, Headbanger se tornou universal, portanto mais
aceitável para ser colocado como nomenclatura para a pesquisa aqui proposta.
Embora no
Brasil o termo “metaleiro” [10] seja bastante comum entre os leigos, o mesmo
foi categoricamente rejeitado no cenário Underground que surgia na
época. Isto porque, em 1985, com a ocorrência do Rock In Rio I, no qual
grandes bandas de Heavy Metal se apresentaram e entre elas figurava o
seu maior expoente em abrangência mundial, o Iron Maiden, a rede
midiática televisiva utilizou o termo “metaleiro” de forma estigmatizada, assim
fazendo com que o termo se tornasse algo aversivo ao cenário Underground
nacional da época e inclusive nos dias atuais (JANOTTI. 2004, pág. 38).
No fim da
década 1980, após o surgimento do thrash metal, o Underground passou
a assimilar diferentes subgêneros subsequentes que incorporavam ou criavam
novos elementos que os diferenciavam e uniam ao mesmo tempo dos demais. A
exemplo das transformações na música Heavy Metal e como elas ocorreram,
criando assim outros subgêneros, pode-se citar que determinados vocalistas de
bandas thrash:
...cantavam coisas
ininteligíveis, aproveitando-se ao máximo dos sons graves produzidos pela
garganta humana; antes de ser um simples urro, o gutural se tornou uma técnica
especifica para se cantar alguns ‘subgêneros’ do metal. (JANOTTI. 2004,
pág. 25,26)
Mais
tarde esses subgêneros nos quais os vocalistas utilizavam de vocalizações
guturais ficaram conhecidos como “metal extremo” no cenário Underground,
com um grupo de seguidores ainda mais seletos do que os anteriores, mesmo ainda
estes se definindo como Headbangers e mantendo a sua proximidade com os
seus antecessores no Heavy Metal.
Os
principais representantes desses subgêneros são o death metal e o black
metal, sendo que o primeiro como o próprio nome diz – morte - tem como
temática central a morte explorada até a forma mais doentia que os músicos
conseguirem imaginar e transformar em letra. O black metal, por outro
lado, é a exploradora da face mais sombria da fantasia humana. Temas como
satanismo, paganismo [11] e artes ocultas em geral são abordados inúmeras vezes
neste subgênero. Inclusive muitas vezes passam a ser levados a sério por fãs e
músicos, ao ponto de se tornarem praticantes, renegarem os valores cristãos em
prol de antigas culturas pagãs, particularmente a cultura pagã nórdica, já que
as grandes concentrações desse subgênero se encontram nos países daquela região
como Suécia e Noruega.
Obviamente
que este aspecto cada vez mais sombrio e avesso da musicalidade Heavy Metal
trouxeram inúmeras consequências do mundo exterior a eles. Como a constante
ligação com práticas condenadas pela moral cristã e atos ilegais de acordo com
as leis de alguns países. Inúmeros artistas foram acusados e processados por
“poluírem as mentes dos jovens”, induzir-los a cometer crimes ou suicídio entre
outros (DUNN, McFADYEN. 2005).
Embora a
maior parte das acusações oficiais tenha sido comprovadamente infundada,
segundo tribunais ao menos, as acusações não vieram de um passado recente, elas
surgiram antes mesmo do próprio Heavy Metal, o próprio rock n’ roll
já sofria perseguições. Portanto se algo considerado “condenável” – o que na
maioria das vezes abrange significativamente a imaginação das pessoas em
relação ao desconhecido – fosse ligado ao Heavy Metal de alguma forma, o
gênero musical como um todo será culpado.
Por conta
disto até hoje religiões fazem cruzadas contra os fãs e músicos, proibindo que
executem shows em determinados lugares, ou censurando capas de discos e
julgando os que vivem no cenário Underground com adjetivos taxativos e
tomando posturas que os colocam à margem da sociedade, tornando-os algo similar
a uma seita secreta, poço eterno de suspeitas.
Por outro
lado “sem cristianismo não haveria Heavy Metal” (DUNN, McFADYEN. 2005),
pois está é uma constante dentre as temáticas do gênero musical, em todos os
subgêneros desde o principio. O Heavy Metal sempre traduziu em letras às
dúvidas e os medos que a fé traz às pessoas em seus momentos mais obscuros,
assim como também teceu críticas grotescas, sarcásticas, veementes à religião
de maneira geral e imagens ligadas a morte assim como o Diabo em algumas
de suas produções artísticas. Embora normalmente uma roupagem herege possa se
tornar algo negativo para a maioria da cultura ocidental, para os Headbangers
faz parte do seu contexto.
Por fim,
o gênero musical como um todo sobreviveu fora dos grandes espaços produtivos da
indústria musical, e até mesmo a uma versão “moderna” das cruzadas, por conta
de uma fidelidade e identificação com a qual os fãs e músicos têm como um
estilo de vida, um espaço subversivo, longe dos olhos do cotidiano maçante e
normativo, utilizando-se de indumentárias, Símbolos e sinais que os unem
[12]. Permitindo haver um sentimento uma exacerbação do lado sombrio qual
escolheram se identificar, e que os une em qualquer lugar do mundo.
O Diabo Como Símbolo
O Diabo
[13] é certamente o antagonista mais presente na cultura ocidental, ou ao menos
nas religiões de origem Judaico-Cristão-Muçulmano. Personagem controverso e
fundamental nas tramas que representam as trevas contra os poderes celestiais,
o Diabo é também conhecido por vários nomes, entre eles Satã [14],
Lúcifer [15] e Anticristo [16], porém ao longo da história o mesmo foi
associado a Divindades de outras religiões a exemplo dos traiçoeiros Seth e
Lóki, dos panteões egípcio e nórdico respectivamente. O Diabo é na
cultura Judaico-Cristã-Muçulmana a personificação do mal e figura simbólica da
indignação contra Deus (CHEVALIER; Jean, GHEERBRANT; Alain, 1995 pág. 202).
Ao fazer
um levantamento sobre o Diabo, ser mitológico tão presente no universo
ocidental, não há ponto de partida se não nos livros que lhe deram origem e
significados que conhecemos hoje. Desta forma, no Velho Testamento Satanás é o
opositor de Javé [17] e seus seguidores, como vemos em Zacarias (3,1) na qual
sua figura se apresenta como um anjo e se opõe a Josué na corte divina. Ou
quando em Crônicas 21:1, ”O Satã se dispôs contra Israel e incitou David a
numerar o povo”. Assim pode-se ver que, segundo a mitologia Judaica, a figura
do Diabo se põe como provedora da discórdia, se não por si mesmo, através
dos que consegue influenciar.
Por outro
lado no Novo Testamento o Diabo já aparece mais próximo do imaginário
comum ocidental, como sendo o espírito do mal engajado numa disputa cósmica do
Mal contra o Bem, algo que pode ser visualizado nos evangelhos de Mateus e
Lucas que descreveram o ministério de Jesus (HIGGINBOTHAM; Joyce, HIGGINBOTHAM;
River, 2003 pág. 114). Entretanto a bíblia não destina diretamente as origens
do diabo e sim os seus feitos e as suas diversas formas sempre ressaltando que
ele é o grande adversário de Deus e seus seguidores.
Embora o
Velho Testamento tanto em Jó (1,6) quanto em Zacarias (3,1) sugira que ele é um
dos anjos de Deus, enquanto que no Novo Testamento Lucas (10,18) escreve
“Satanás caiu do céu como um raio” após uma derrota sofrida contra Deus, e o
mesmo estaria em rebelião contra o próprio desde antes da criação da Terra.
Como diz o evangelho de I João (3,1) “Quem comete o pecado é do Diabo;
porque o Diabo peca desde o princípio. Para isto o Filho de Deus se
manifestou: para desfazer as obras do diabo”, esta afirmação sobre o inicio das
atividades do Diabo pode ser facilmente entendido como uma citação ao
capitulo 3 da Gênesis da bíblia que narra à expulsão de Adão e Eva do Jardim do
Éden, na qual uma serpente teria enganado Eva levando a cometer o pecado de
comer o fruto proibido. Porém apenas no final do Novo Testamento, em Apocalipse
(12:9) é que as evidencias se tornam mais palpáveis quando diz "e foi
precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e
Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos
foram lançados com ele".
O Jardim
do Éden também é aonde o Diabo aparece na primeira vez em forma de um
animal. Algo que se torna recorrente ao longo dos evangelhos, como no evangelho
de I Pedro (5,8) onde este diz “vosso adversário, o demônio, anda ao redor de
nós como leão que ruge, buscando quem devorar”. Mas não apenas em forma de
animais intimidadores e, ou sedutores, a exemplo do leão e a serpente, mas
também em forma de outras criaturas como o já citado Dragão e como o Leviatã,
nos Salmos (104:26). Assim como é notável como as tramas do Diabo são
sempre reveladas e castigadas por Deus nos evangelhos, retratando uma cíclica
vitória do Bem contra o Mal, da Ordem contra o Caos e da Luz contra as Trevas,
imagens recorrentes como é o caso do motivo de Cristo de pé sobre um leão ou
Dragão que existe desde o século IV (CHEVALIER; Jean, GHEERBRANT; Alain, 1995
pág. 203) assim como imagem do santo cavaleiro São Jorge.
Mas certamente
uma das imagens mais comuns e recorrentes do Diabo é a sua representação
associada ao Bode, que é descrito e retratado inúmeras vezes da seguinte
forma:
O emblema consagrado do cramulhão
é o bode; é o emblema do que é animalesco segundo os demonólogos da Idade
Média. A cabeça do Bode é adornada por uma estrela de cinco pontas
virada pra baixo, ou seja – um pentagrama invertido. É a Estrela Negra,
apontando para a terra, em vez do céu (CHARBONNEAU-LASSAY, 1997, pág. 183).
Enquanto
por si apenas “o Bode simboliza a pujança genésica, a força vital, a
libido, a fecundidade” (CHEVALIER; Jean, GHEERBRANT; Alain, 1995 pág. 134),
sendo ele também um animal noturno e lunar, o Bode também é associado
aos deuses do panteão grego como Dionísio, Afrodite e Pã, lhes servindo de
montaria e ainda como oferenda sacrifical, como no caso de Dionísio (CHEVALIER;
Jean, GHEERBRANT; Alain, 1995) na Idade Média o bode é reforçado com
significados que o designam como figura representante do mal e por isso
conjuntamente associado ao Diabo:
Animal impuro, completamente
absorvido por sua necessidade de procriar, o bode nada mais é do que um signo
de maldição, cuja força atingira seu auge na Idade Média; o Diabo, deus
do sexo, passa a ser apresentado, nessa época sob forma de um Bode
(CHEVALIER, GHEERBRANT, 1995 pág. 134).
A
associação entre o Bode e o Diabo é se não apenas uma distorção
tanto das suas significativas Simbólicas mais primitivas, mas também uma
depreciação existencial do animal, assim como o Bode “o Diabo é
associado à virilidade e, portanto, aos desejos carnais” (CHARBONNEAU-LASSAY,
Louis. 1997 pág. 181) e sua figura ligada ao Bode são associados a um
mau cheiro, o que na visão escatológica cristã, este fator fisiológico
característico do Bode está ligada aos vícios de um humano que cede à
tentação (CHARBONNEAU-LASSAY, Louis. 1997, pág. 181).
A própria
figura do Diabo associada ao Bode pode também ter origem com uma
figura Simbólica chamada Baphomet. “No vocábulo Baphomet teria
vindo da Grécia Antiga, também existe a hipótese de que sua procedência esteja
na conjunção das palavras Baphe e Metros, algo como ‘Batismo da
Mãe’” (KING, C. W. - Op. Cit. Pág. 406). O que aliada a sua imagem tradicional,
possui integração de aspectos femininos, pois é representado por uma figura com
cabeça de bode e tronco de mulher humana. O que sugere que a ligação do Diabo
com o Bode é também uma ligação do masculino com feminino.
Em
evidencia a constante animalização do Diabo, como dragão, Bode,
ou qualquer outra forma, sugere um seguimento simbólico de rebaixamento da
condição humana inferior às designadas por Deus na visão
Judaica-Cristã-Muçulmana, tornando-os seres que como marca de sua existência
pecadora ostentam figuras bestiais e monstruosas. Porém particularmente na
conjuntura do animalismo na mesma visão Judaica-Cristã-Muçulmana, a ligação do Bode
ao gênero masculino que cai em desgraça:
Esse triunfo do aspecto nefasto
ou noturno do Símbolo faz do Bode, por fim, uma imagem do macho
em perpetua ereção, para o qual, afim de acalma-lo, é preciso três vezes
oitenta mulheres. É o homem que desonra sua grande barba de patriarca através
de copulações antinaturais. É ele quem desperdiça o precioso gérmen da
reprodução, imagem do desgraçado, que se torna digno de comiseração por causa
dos vícios que não consegue dominar, do homem repugnante, o bode representa o
ser que se deve evitar tampando o nariz (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1995 pág. 134).
Além dos
significados do Bode em associação ao Diabo. Na forma de Baphomet
surge um pentagrama invertido na cabeça, entre os olhos. O pentagrama com a
ponta para cima representa o humano de braços e pernas abertas, assim como a
sabedoria, amor, justiça, clareza e bondade (HOFMANN, Helmut G. 1999, pág.
108). Ainda segundo o mesmo autor, na visão cristã, o pentagrama significa o
Cristo como Alfa e Omega, e as suas cinco chagas sagradas, ao mesmo tempo em
que se a ponta do pentagrama for invertida, apontando para baixo ao invés de
para cima, passa a significar “o símbolo do Diabo, do poder da matéria
sobre o espírito e do predomínio do caos sobre a ordem” (HOFMANN, Helmut G.
1999, pág. 108). O que volta a sugerir a idéia de Anticristo, ou de polaridade
inversa que esta em constante conflito.
Por outro
lado, a figura do Diabo possui simultaneamente uma identidade mitológica
de pluralidade facetaria sugerida pelos diferentes nomes designados ao Anjo
Caído, e suas atividades nas mitologias em que se insere. Estas possuem
significações para similares a visão dualista Judaica-Cristã-Muçulmana de se
possuir uma divindade puramente maligna e opositora ao bem. Como exemplo
análogo se pode voltar a citar a divindade egípcia de Seth que detém o domínio
dos terrenos áridos do deserto, inimigo da vida e de “fazer coisas vermelhas”
que significa fazer o mal, agindo em oposição a Osíris, que lhe atribuíam à
vida e “fazer as coisas verdes” o que era ligado ao bem, assim como a
atribuição dos fenômenos de seus meios favoráveis ao homem (HOFMANN, Helmut G.
1999, pág. 79). Enquanto Levítico (16,10) narra sobre uma figura análoga na
bíblia, o rito de enviar um Bode ao deserto para Azazel, um demônio que
governa as terras malditas onde Deus não exerce sua ação fecundante (HOFMANN,
Helmut G. 1999, pág. 135), a origem da idéia de bode-expiatório. Aqui nota-se
que “fazer as coisas verdes” de Osíris poderia ser facilmente interpretado como
a ação fecundante de Deus, enquanto que Seth e Azazel reinam no mesmo lugar,
infecundo o deserto.
O Diabo
também aparece em situação análoga com divindades trapaceiras, como o já citado
Lóki, Hermes, Discórdia e o índio americano Coiote (HIGGINBOTHAM; Joyce,
HIGGINBOTHAM; River, 2003 pág. 124), em situações que como no Jardim do Éden
tentam subverter nos desígnios das demais divindades através de artimanhas.
Outro
fator análogo entre o Diabo e as divindades ligadas ao mal de outras
religiões, é a associação direta às trevas e o negro, como no budismo onde o
puro, o belo, o branco e nobre se opõe ao machado, negro, feio e comum (LURKER;
Manfred, 1997, pág. 79), ou o Yin [18]. Ou como o terceiro ato de Deus na
mitologia Judaico-Cristã, após criar Céu e Terra, segundo Gênesis (1:2), Deus
separou a luz das trevas, e ainda segundo este trecho da bíblia, Ele viu que a
luz é boa o que sugere que a outra é maligna. Nos demais evangelhos as
associações feitas às trevas são atribuídas a fenômenos tidos como negativos ou
diretamente ao próprio Diabo.
Porém
alguns outros pontos de vista surgem com o tarô:
O Diabo sempre foi mal
compreendido. Esotericamente ele representa um potencial existente na própria divindade.
Por uma questão de lógica, se Deus é onipresente, o Diabo tem que ser parte de
sua criação” (URBAN; 1997, Pág. 71)
O que
permite pensar em Deus e o Diabo como sendo uma separação da mesma
divindade, ou como figuras de natureza opostas que completam a totalidade
divina. Na carta do tarô a imagem do “Diabo segura uma tocha na mão
esquerda, símbolo do fogo divino da consciência que ele entrega aos homens”
(URBAN; Paulo, pág. 71). O que libertou o homem de sua condição semelhante à de
animais, em situação análoga:
Nas palavras de Campbell,
Prometeus enganou Zeus tirando seu tesouro de fogo, tornou-se o portador desse
tesouro para a humanidade e libertou uma energia nova e vital no Universo.
(HIGGINBOTHAM; HIGGINBOTHAM, 2003 pág.127).
Assim
como na história do Jardim do Éden em Gênesis na bíblia o Diabo ínsita
Eva e Adão a comerem do Fruto Proibido e assim tomam consciência de que estão
nus “como Javé diz sobre o seu dom à outra divindade não-identificada: ‘Veja! O
homem tornou-se como um de nós, conhecendo o que é bom e o que é mau’ Gênesis
3:22” (HIGGINBOTHAM; Joyce, HIGGINBOTHAM River, 2003 pág. 127) e tanto
Prometeus quanto o Diabo foram punidos severamente por presentearem a
humanidade com algo divino. Sendo este um ponto de vista que implicaria num Diabo
com propriedades de herói e mártir.
Entretanto,
o papel que o Diabo exerce não se restringe apenas a uma batalha cósmica
contra Deus, mas também é a representação de tudo aquilo ao que vai de oposto à
fé Judaico-Cristã-Muçulmana no mundo material, quando “seus inimigos, não mais
pessoas, então, mas demônios que devem ser destruídos” HIGGINBOTHAM;
Joyce, HIGGINBOTHAM River, 2003 pág.113). Tal forma de pensamento pode sugerir
a origem de alguns fatos ao longo da história da humanidade, como a caça às
bruxas e o anti-semitismo, neste segundo caso, podemos apontar na bíblia “em
João (8:44) Jesus denomina os judeus de ‘filhos do demônio'” (HIGGINBOTHAM;
Joyce, HIGGINBOTHAM River, 2003 pág.114), mas não apenas aos estrangeiros
que o Diabo se relaciona,o escritor cristão Irineu (180 d.C) em seu
livro Contra Heresias vol.1 descreve que um herege é um companheiro
cristão cujos pontos de vista diferem do consenso e é por isso um agente de
Satã.
Por fim,
nota-se que o Diabo é, na esfera Simbólica, aquele que transgride
e se opõe às normas, o espírito da revolução e do caos, da sexualidade e da
noite, o medo desconhecido entre inúmeras outras coisas as quais lhe são
atribuídas, aquele que instiga aos homens a questionarem e se oporem às normas
e as regras.
Metódo:
O metodo
escolhido foi o de analise qualitativa de imagem, como este trabalho se trata
de uma analise dos elementos Simbólicos presentes no disco Reign in
Blood da banda Slayer relacionando-o com a tribo urbana Headbanger
e o Símbolo do Diabo através da Psicologia Analítica.
Segundo Barros (2007, pág. 84) neste tipo de pesquisa, não há interferência do
pesquisador, ou seja, ele apenas descreve o objeto da pesquisa, procurando
descobrir a frequência com que um fenômeno ocorre, sua natureza, características,
causas, relações e conexões com outros fenômenos. Portanto a analise a partir
da capa do disco, ou seja, através da semiótica de uma imagem parada, “provê ao
analista com um conjunto de instrumentais para uma abordagem sistemática dos
sistemas de signos, a fim de descobrir como eles produzem sentido” (BAUER;
Martin W. , GASKELL; George, 2002, pág. 319).
Os
elementos retirados da capa do disco serão analisados de acordo com os
pressupostos da Psicologia Analítica, no qual “o processo de análise
pode ser descrito como uma dissecação seguida por uma articulação, ou
reconstrução da imagem semanticizada” (BAUER; Martin W., GASKELL; George, 2002,
pág. 325), abordado a partir da análise estrutural como associação de
significante e significado tornando explicito os conhecimentos culturais
necessários para que o leitor compreenda a imagem (BAUER; GASKELL,
2002).
Analise de Dados:
O
objetivo aqui se trata de uma análise de elementos Simbólicos
intermediada pela Psicologia Analítica, entre o Símbolo do Diabo
no universo do disco Reign In Blood do Slayer e o universo
cultural Headbanger. Embora a presença da figura do Diabo se
manifeste de diversas formas na cultura Heavy Metal.
O disco é
datado originalmente do ano 1986. Quando a banda era formada pelo vocalista e
baixista Tom Araya, os guitarristas Kerry King e Jeff Hanneman
e o baterista Dave Lombardo, a mesma formação atual, enquanto a arte da
capa foi feita pelo artista plástico Larry W. Carroll (FERRIS. 2008). O
disco foi submetido a inúmeras críticas, por conta de seus conteúdos
controversos, que para uma parte da crítica era uma ofensa enquanto que para
outros se tratava de um sucesso mundial (DOME, 1991), “o Slayer se
converteu no grupo mais representativo do Metal se excluir o Metallica”
(DOME; Malcom, 1991, pág. 40).
Segundo Tom
Araya o disco trata sobre uma história de horror de como o Mal, Satã,
planeja dominar o mundo espalhando o sangue de seus inimigos e traidores,
deixando os empalados pelas estalactites de sua caverna para que o sangue de
seus corpos goteje e lhe dêem forma e poder, assim o Satã retornará para reinar
no sangue (GALLACHER, 1988).
A arte
desenhada por Carroll é no mínimo provocativa, pois apresenta um
ambiente denso no qual, figuras empaladas se espalham pela parede - que trás um
aspecto que pode lembrar a de uma caverna – junto com cabeças decepadas
decorando o pano de fundo, enquanto mais destacadamente aparece uma figura
centralizada sentada sobre uma liteira. Com a acomodação da liteira que sugere
um trono, o lugar é ocupado por uma figura masculina com cabeça de Bode
e braço direito erguido e uma lança com a base no braço da cadeira trespassando
uma cabeça decepada. A liteira é carregada por figuras que sugerem ser homens
degenerados e demônios através de um rio de sangue, com cabeças flutuando sobre
o mesmo. O que faria jus ao titulo do disco “Reinado de Sangue” em sua tradução
literal.
Tão
provocativa e controversa quanto à imagem de capa, são os conteúdos das musicas
do disco, que abordam assuntos como o nazista Joseph Mengele, rituais
satânicos, assassinos seriais e criticas ácidas ao cristianismo.
Para os
fãs de Metal este disco é tido como uma das obras primas do gênero
musical como um todo, mesmo com seus temas sombrios e controversos, possui fãs
no mundo islâmico e israelense(DUNN, McFAYDEN. 2008). Estes ouvem o disco e não
julgam a música Angel of Death como uma manifestação nazista, embora
alguns digam que a música seja perturbadora, mesmo tratando sobre o tema do
holocausto e um dos seus maiores propagadores, o já citado Joseph Mengele
(DUNN, McFAYDEN. 2008). Também não há nenhuma evidência de que os fãs ou os
músicos do Slayer de uma maneira especial sejam adeptos ao nazismo,
assassinos ou mesmo anticristos, o universo denso e sombrio dessas temáticas
certamente atrai os fãs ao mesmo tempo em que repelem os não fãs.
Ampliando
os significados de todas as temáticas, aliadas a figura central da imagem,
pode-se ver que os temas do disco tratam de grandes parias das sociedades ao
redor do mundo: os opositores. Aqueles que vivem no submundo, cercando a
sociedade vigente, muitas vezes surgindo sem prévia autorização ou quando menos
se espera, mas sem o direito de pertencer a ela e sempre que possível
retornando ao seu estado obscuro. Já que a Sombra é o Arquétipo
do oposto a Consciência assim se redesenha a batalha cósmica dentro do
indivíduo, as projeções da nossa própria divisão interior que não podem ser
destituídos dos desejosindividuais (WHITMONT; Edward C. 1998, pág. 151),
pode-se inferir também aspectos da Sombra podem transitar entre os
conteúdos Conscientes, ou aspectos da Persona destes indivíduos.
Em termos
de visualização, não se pode ter uma tradução literal em comportamento e psique
de cada Headbanger, pois pouco ou nada pode se inferir da história de
vida individual de cada um, mas alguns dados podem ser visualizados em termos
coletivos. Para ilustrar, a força psíquica em seu aspecto Simbólico dos
significados do Diabo e das temáticas ao redor deste disco, o vocalista
e baixista do Slayer, Tom Araya, se declara abertamente católico
no documentário Metal: Headbangers Journey (DUNN, McFADYEN. 2005) e pela
aceitação do grupo entre a comunidade Headbanger este fator é
irrelevante o que torna bastante interessante a diferenciação entre o Consciente
e Inconsciente.
Quanto à
ilustração da capa, Carroll afirma no livro Reign in Blood de D.
X. Ferris (2008) que a figura central não é nenhum demônio especifico.
Porém a cabeça de Bode e a ligação com o Diabo se tornam
inevitável, assim como a figura com o acessório papal, segundo o autor do mesmo
livro, parecem evocar as figuras de Thomas Moore [19] e São Sebastião
[20]. Mas não se trata de fato das figuras históricas, mas sim de figuras Arquétipicas,
pois não houve intenção consciente alguma de desenhar os originais, como conta
o livro (FERRIS, 2008), ainda segundo o mesmo, Carroll afirma quepara
desenhar a arte da capa recebera apenas uma fita de rádio. Enquanto as figuras
que carregam a liteira parecem estar em um aspecto miserável e subumano, o Diabo,
em seu trono, tem seu braço erguido como os gestos de saudação utilizados pelos
imperadores romanos e por outros líderes ao longo da história, inclusive Hitler
e Mussolini. O que poderia sugerir que, a figura central, esta sendo
carregada pelos seus subjugados, em seu trono real e saúda aqueles que fazem
parte de seu reinado, ou aqueles que como ele - são líderes.
Porém
existem aspectos da Sombra a serem discutidos e que se torna de analogia
interessante.
A Sombra é a experiência Arquétipica
da “outra pessoa” que, em sua estranheza, é sempre suspeita. É o anseio Arquétipico
do Bode expiatório, de alguém para culpar e de atacar a fim de se obter
justificativa e absolvição; é a experiência Arquétipica do inimigo,
a experiência da culpabilidade que se adere à outra pessoa, já que temos a
ilusão de compreender a nós mesmos e de já ter lidado adequadamente com os
nossos problemas. Em outras palavras, à medida que tenho de ser correto e bom, ele,
ela ou eles se tornam os portadores do mal que não consigo
reconhecer em mim mesmo (WHITMONT, Edward C., 1998 pág. 146).
Quando o Diabo
assume o papel de opositor, pode-se compreender que ele em relação a Deus
faz a experiência Arquétipica “da outra” pessoa, pois se Deus é
onipresente, também criou o Diabo (URBAN; Paulo, pág. 71). Ainda em
tempo, pode-se ilustrar esse aspecto da Sombra nas atitudes de Javé com
relação à Jó no Velho Testamento.
Sua disposição em abandonar Jó à
atividade criminosa de Satanás revela que ele duvida de Jó, justamente por sua
tendência de projetar sua infidelidade num bode expiatório. Suspeita-se, com
efeito, que Ele se prepara para afrouxar os laços matrimoniais com Israel, mas
dissimulando a si mesmo tal intenção. A infidelidade que ele pressente, não
sabe bem onde, o leva a descobrir o infiel com a ajuda de Satanás, e o descobre
na pessoa mais fiel dentre os fiéis que então é submetido a uma provação
dolorosa. Javé nem se quer tem mais certeza de sua própria fidelidade (JUNG,
Carl G., 2001 pág. 146).
Com isto,
se acredita que naquele período, Javé havia se entregado a sua Sombra,
ou seja, o Diabo. Porém este não parece ser estritamente o caso dos Headbangers
que antes incorporam simbolicamente aspectos que os identificaria com
o Diabo, mas não com Javé. O que se pode colocar como sendo uma medida
consciente similar a da Persona. Muito embora se trouxer o padrão
estético social padrão da cultura Judaico-Cristã, os Headbangers
voltariam ao desígnio de Sombra, já que se colocam num modo as avessas,
o que não torna muito clara até onde se estenderia uma possível vivencia da Sombra
por estes indivíduos.
Esta pode
ser uma das possíveis leituras da cena central da arte. Mas estaria ainda
incompleta, portanto a ampliando, o Bode, como já demonstrado aqui
anteriormente, pode ser tido como um Símbolo do masculino e da
virilidade. O que reflete o fato de haver uma hegemonia masculina dos fãs do
gênero musical, embora as mulheres também façam parte, sem restrições, torna-se
interessante através de analogias dos significados possíveis da Anima
dentro do tema, “pois numa breve caracterização, a Anima representa o Arquétipo
Yin [21] no homem, o feminino que há dentro dele” (WHITMONT, Edward C.,
1998, pág. 165). Pois a própria figura da capa se assemelha também a Baphomet
[22], embora não possua o tronco feminino da imagem original.
Para
formar uma analogia mais completa entre a figura da capa com os aspectos do Arquétipo
da anima que compartilham discrições similares com as ligadas ao símbolo
do Diabo e o Bode.
O Arquétipo da Anima
representa os elementos impulsivos à vida como vida, como um fenômeno natural,
não premeditado, espontâneo, a vida dos instintos, à vida da carne, a vida da
concretude, da Terra, da emotividade, dirigida para as pessoas e as coisas
(WHITMONT, Edward C., 1998 pág. 186).
A figura
do Diabo na capa de discos de Metal aliada a hegemonia masculina
entre os Headbangers pode sugerir uma vivência inconsciente dos aspectos
ligados ao feminino por estes indivíduos, pois antes de se tratar de algo
racional é de cunho emocional. Para reforçar ainda mais esta possibilidade,
podemos inferir o pensamento ocidental bíblico, que descreve o Diabo
como fonte do caos e de tudo que se deve temer. Em analogia com os conteúdos
das letras das músicas - deste caso especifico, pode ser uma apresentação Arquétipica
da Anima, pois:
A Anima consiste nos
anseios inconscientes do homem, seus estados de espírito, aspirações
emocionais, ansiedades, medos, inflações e depressões, assim como seu potencial
de emoção e relacionamento. (WHITMONT, Edward C., 1998 pág. 168)
Relacionando
a fala de Whitmont com os conteúdos dos discos de Heavy Metal
(JANOTTI, 2004), que também se expressam no disco Reign in Blood, pode
se inferir sobre as questões que envolvem o Inconsciente grupal dos Headbangers
de uma forma macroabrangente ao compartilharem o espaço Underground,
assim como os motivos que levam às pessoas a se firmarem em determinados
grupos.
O ser humano sempre formou grupos
que possibilitassem vivências de transformação coletiva, frequentemente sob a
forma de estados extáticos. A identificação regressiva com estados da
consciência inferiores e mais primitivos é sempre ligada um maior sentido de
vida, onde o efeito vivificante das identificações regressivas com os
ancestrais meio teriomórficos da idade da Pedra (JUNG; Carl G. 2002, pág. 131).
Enquanto
a individualidade separada é personificada como um dos elementos ligados ao
masculino, a conexão de comunidade e grupo é vivenciada e personificada como
entidade feminina (WHITMONT, 1998. Pág. 168). Para os Headbangers tal
experiência, vivenciada no cenário Underground, que, dentro da multidão
de semelhantes sentem uma grande e maravilhosa unidade tornando-se heróis
exaltados pelo grupo (JUNG, 2002). Então quando esta experiência se encerra:
Voltando depois a nós mesmos,
descobrimos que meu nome civil é este ou aquele, que moro nesta ou naquela rua,
no terceiro andar e que aquela história, no fundo, foi muito prazerosa; e
esperamos amanhã que ela se repita a fim de que eu possa sentir-me de novo como
um povo inteiro, o que é bem melhor do que ser o cidadão x ou y (JUNG, Carl G.
2002, pág. 131).
Este
fator foi ilustrado algumas vezes no documentário Metal: A
Headbangers Journey (DUNN, McFADYEN. 2005) quando mostra passagens no
festival anual Wacken Open Air, no qual são realizados apenas shows de Metal
onde bandas e fãs do gênero de todo o mundo se confraternizam durante alguns
dias, e que se consolidou como evento que já existe há 20 anos. Não apenas
isto, mas ainda no documentário supracitado, há descrições sobre roupas e
indumentárias gerais básicas entre os Headbangers e que ao mesmo tempo
se espalhou pelo mundo como mostra o documentário Global Metal (DUNN,
McFADYEN. 2008) o que da impressão de uma irmandade, de um culto ou de uniforme
de soldados entre outras coisas, que identifica os Headbangers entre si.
Sendo, provavelmente, o principal elemento as vestes pretas, pois este seria um
traço da cultura Headbanger mais visível “a olho nu” para qualquer
leigo.
O que
torna apropriado que exista uma ampliação dos significados da cor para que haja
uma contextualização e significação. Segundo Herder Lexikon (2007) corresponde
ao aspecto do indiferente e do abissal, designado a escuridão, caos primordial
e morte, a cor do luto e da dor resignada, cor da noite e da cadeia simbólica
da mãe, da fecundidade e mistério. A socióloga Deena Weinstein diz que, na
cultura ocidental a cor preta representa perigo, maldade, mas também a
liberdade (DUNN, McFADYEN. 2005). Invariavelmente retornam algumas
representações Arquétipicas da Anima colocadas anteriormente
conectando os fragmentos que ligam à cultura Headbanger e o Símbolo
do Diabo, se utilizar de suas representações que o ligam aos aspectos
femininos. Porém, segundo Deena Weinstein (DUNN, McFADYEN. 2005) liberdade na
cultura ocidental é atribuído ao gênero masculino, por tanto pode ser atribuído
à expressão Arquétipica do Animus.
Curiosamente,
sobre a questão “liberdade” foi tratada diversas vezes durante os documentários
Metal: A Headbangers Journey (DUNN, McFADYEN. 2005) e Global Metal (DUNN,
McFADYEN. 2008). No primeiro documentário dos dois citados, o guitarrista Kerry
King afirma que nas musicas do Slayer ataca a religião por ser um
tipo de lavagem cerebral aceitada nos Estados Unidos assim como no resto do
mundo. O que nesta concepção, pode-se afirmar que há a intenção de atacar
aqueles que negam a liberdade, embora se passe através de uma idéia pessoal, a
representatividade da banda sugere que possivelmente essa idéia ultrapasse a
barreira individual (DOME, 1991).
Enquanto
no Global Metal (DUNN, McFADYEN. 2008), músicos e fãs expressam a idéia
de liberdade através do Heavy Metal a partir de seus contextos sociais
e, ou históricos em paises como Brasil, Índia, Indonésia e China. Por outro
lado o vocalista da banda de Black Metal Gorgoroth Gaahl,
quando perguntado sobre as idéias primárias que cercam os conteúdos da música
da banda, ele responde: Satã, e quando seu interlocutor pergunta sobre o que
representa Satã, Gaahl responde: a liberdade (DUNN, McFADYEN. 2005). O que
endossaria a questão do Animus também presente na figura do Diabo.
Quando se volta à figura do Bode relacionada ao Diabo, há uma
forte relação entre o masculino e feminino, pois “o Diabo é associado à
virilidade e, portanto, aos desejos carnais” (CHARBONNEAU-LASSAY, Louis. 1997
pág. 181) e “o Bode simboliza a pujança genésica, a força vital, a
libido, a fecundidade” (CHEVALIER; Jean, GHEERBRANT; Alain, 1995 pág. 134)
poderiam facilmente ser ligados apenas ao Animus. Porém quando na
descrição das representações da Anima (WHITMONT, 1998), a associação do Diabo
e o Bode com as trevas, o escuro, o noturno, a fecundidade e à vida
da carne, por tanto há aspectos que podem transformar a figura do Diabo
como andrógina, quando não se pode especificar seu gênero exato. Assim como é a
imagem do já citado Baphomet.
Retornando
a imagem da capa do disco, existe outro ponto a ser esmiuçado que ainda não foi
abordado até o momento, o que dá nome ao disco Reign in Blood – o
sangue. Por tanto, sobre o sangue segundo Manfred Lurker (1997) muitos povos o
consideram como sede da alma e da vida, o sangue que sai do corpo provoca
horror, pois significa perda da força vital, o simbolismo da vida e da morte.
Novamente aspectos que fazem transitar entre os aspectos da Anima.
Sugerindo que experiência dos Headbangers com o Underground e o Heavy
Metal, seja também uma experiência de forte conexão com a vitalidade,
principalmente quando referimos ao que se refere às origens que compõem o som Heavy
Metal, assim como o Diabo (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1995). A música
sofreu influências do blues norte americano e como este era o som dos
negros oprimidos, o Heavy Metal surgiu entre a classe operaria que
necessitava extravasar suas energias, ou precisava mostrar força de alguma
forma (DUNN, McFADYEN. 2005) e a necessidade de liberdade.
Os Headbangers
tem a possibilidade de vivenciar através deste Símbolo, algo que não
se atém ao racional puramente, pois não se trata do conteúdo unicamente
religioso (SILVEIRA, 2003), mas sim de uma amplitude de significados que se
aproxima da dinâmica do Inconsciente (JUNG, 2000) dos sujeitos que
compartilham esta vivência. O que pode corroborar novamente com os aspectos da Anima,
pois se trata da “conexão instintiva com outras pessoas e a comunidade ou grupo
que as contém” (WHITMONT, Edward C. 1998. Pág. 168). Mas, por fim, o real
motivo por de trás de uma provável experiência numinosa dos indivíduos que
partilham este espaço, envolvidos pela música Heavy Metal e o Underground
estes indivíduos encontram com algo de obscuro em si mesmos que podem partilhar
com outros e em seguida continuar dando sentido a suas vidas cotidianas, saindo
do subsolo onde todos são iguais, para a luz, onde todos são diferentes.
Considerações Finais
A
vivência através do Símbolo do Diabo na cultura Headbanger
a partir da análise baseada no disco Reign In Blood do Slayer,
leva a crer que na vivência com o obscuro e denso Simbólico, pode-se
então retornar ao mundo da superfície, com a certeza de que faz parte de algo
maior e preparado para o cotidiano e seus horrores reais. Como expressa um
músico de Heavy Metal israelense acerca das suas músicas que tratam de
demônios, ele diz não temer sair na rua apenas por medo de ser atacado por
criaturas do gênero, mas sim de alguém portar bombas e explodi-las próximo a
ele apenas porque o odeia (DUNN, McFADYEN. 2008).
Em outros
momentos, o próprio Tom Araya, após alegar seu segmento religioso também
coloca que a arte pode ser um reflexo da sociedade e o Slayer o faz com
a parte obscura, mas o mal está em todos e o levamos dentro de nós (DUNN,
McFADYEN. 2005). A declaração do músico além de elucidar a perspectiva do Simbólico
por trás da música, assim como o possível caminho que encontrou para chegar a
sua Sombra, embora neste contexto o encontro individual possa se perder
e se assuma a Sombra de outros indivíduos (JUNG, 2004). O que por um
lado faz o individuo não ser apenas um solitário, mas alguém que faz parte de
algo muito maior, a unidade com um povo e ser um herói (JUNG, 2002).
Por fim,
a vivência através do Símbolo do Diabo sugere uma possibilidade
de força vital e de expiação para se chegar à liberdade. Assim como um encontro
com a Anima e da Sombra, e de uma nova forma de encarar negativos
para que se possa enfrentá-los fora do universo Simbólico Underground.
O disco Reign in Blood é um recorte deste cenário que se expande através
do Heavy Metal e trás este lado opositor Arquétipico, de um grupo
que se põe ao avesso da sociedade, com sua estética e sua forma de se expressar
para unidos criarem sua forma de experimentar a subversão.
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Escrito por Matheus Gansohr | Publicado em Quarta, 01 Agosto 2012
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