segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Liberdade religiosa ou condescendência com a burrice?


Conta a história das ideias que ao longo dos debates do século XVIII na França, a respeito do mundo que poderia emergir a partir do movimento do Enciclopedismo, os filósofos franceses Diderot e Voltaire conversavam sobre o futuro da religião, investigando se esta poderia ou não ser abolida. Diderot defendia uma postura radicalmente materialista. Para ele, era possível uma moral completamente laica e, portanto, não se fazia necessária a manutenção da religião. Voltaire concordava com ele, contanto que tal moral laica ficasse apenas para os intelectuais. Para as massas populares nada escolarizadas ou pouco escolarizadas, Voltaire aconselhava que os códigos ético-morais fossem ainda os religiosos. Voltaire não acreditava que as leis morais pudessem ser cumpridas pela população se elas fossem ensinadas como não vindo de entidades divinas.

Esse debate não é mais o nosso, mas vivemos, ainda, sob a esteira de seus dividendos. Uma boa parte dos intelectuais liberais mais sofisticados não possui nenhuma prática religiosa. Eles conduzem suas vidas segundo uma moral laica, em geral pragmática. São pessoas que, como eu próprio, não precisam se colocar nem como ateus e nem como crentes religiosos. São aqueles que notaram que a frase “Deus está morto”, de Nietzsche, era uma consequência natural da estocada positivista contra a busca do absoluto, ou seja, contra o que havia restado de movimento metafísico após o ataque de David Hume. Mas uma boa parte da nossa sociedade se move eticamente a partir de preceitos religiosos. Entre estes, havia até pouco tempo dois tipos de pessoas: aqueles que absorviam a ética cristã, principalmente a criada a partir da Igreja de Paulo, independentemente dela ser ou não religiosa, ou seja, sagrada; e aqueles que a absorviam a partir do que entendiam como sendo o seu caráter sagrado.  Mas, agora, há uma nova forma de entrelaçamento entre ética e religião, aquela nascida do crescimento das igrejas evangélicas entre nós e, como reação a isto, o aparecimento de correntes altamente conservadoras na Igreja Católica. Um novo tipo de brasileiro tem emergido entre nós, a partir dessa situação que passou a vingar principalmente no final dos anos oitenta.

Esse terceiro grupo de pessoas não possui nenhuma ética organizada. Eles não sabem o que é o certo e o que é errado a partir de uma relação entre suas faculdades racionais e determinados códigos éticos, laicos ou religiosos. Eles se movem por regras simples de uma pseudo-ética. E então são presas fáceis de outra pseudo-ética, a das igrejas. Essa falsa ética ou pseudo-ética, no Brasil, lhes é dada por pequenos preceitos supérfluos, criados no interior do movimento de proliferação de igrejas dos anos noventa e de agora. É onde essas pessoas um tanto perdidas encontram uma certa “comunidade” que as acolhe e lhes dá uma mínima “visão de mundo”, que lhe dá algo que parece um sentido para suas vidas mentais até então simplórias ou apenas desorganizadas.

Uma ética e uma moral se consubstanciam, no limite, em conjuntos de apontamentos sobre o que é interessante fazer e o que é inútil ou nocivo de levar adiante. Ou seja, trata-se do ethos de um povo transformado em código de conduta explícito, fácil de ser absorvido pelas crianças, relembrado pelos adultos e ensinado aos estrangeiros. Todavia, isso não pode ser aplicado pelas igrejas, uma vez que isso afastaria a população dos templos — antes somente os dos evangélicos, agora também os dos católicos. Na competição para arrecadar almas pagantes ou almas que pela presença conferem poder ao pastor (que ele pode reverter em poder político e financeiro), as igrejas perceberam que precisam criar um sistema facilitador em relação às proibições. Eis um exemplo: não se pode condenar um fiel que vende um terreno para outro fiel pelo dobro do preço que vale, pois esta é a regra geral pela qual todos vivem ali na “comunidade”, então, pode-se substituir essa proibição por uma como “não dizer palavrões”. Outro exemplo: não se pode condenar um fiel por ele não ter nenhuma piedade com um mendigo na frente da igreja, pois na comunidade ninguém pode parar a vida para cuidar dos que estão na rua (repare como os “crentes” têm ficado endurecidos de coração, como os católicos já foram acusados disso), então pode-se substituir tal condenação por uma aleatória, a de ter faltado no culto do dia X ou Y. As regras de uma conduta ético moral ligada à religião, no caso, a cristã, são substituídas por regras de cada igreja, segundo um sistema de proibições rígido, porém irracional e baseado apenas na necessidade de que se tenha, ainda, algo que é dito que “não pode”. Sobra da religião não o “pode isto e não pode aquilo”, da doutrina que, por sua vez, estaria fundada numa filosofia e numa teologia, e sim o “não pode aquilo”, mas “aquilo” é apenas algo sem sentido.

É claro que tudo isso é ajudado por outros mecanismos, principalmente o atrativo do “milagre”, da “cura imediata” ou da “salvação” que, enfim, não é a salvação contra o Mal, e sim a salvação financeira ou o desemprego ou a falta de sorte etc. Ou seja, o Mal se traduz em males da cada um, em um sentido moral bem empobrecido. O pastor promete dar ao fiel não um Deus ou um Jesus ou coisa parecida, nos cânones do cristianismo que conhecíamos antes dos anos noventa. Ele promete dar um Mágico, alguém do Além que pode ser chamado, a qualquer momento, para resolver problemas cotidianos. O azar na vida é coisa mostrada como produto de uma entidade denominada “Demônio”. A sorte pode ser restabelecida pela fé, uma fé esvaziada de religiosidade, ou seja, algo que se faz sentir a partir do pronunciamento de palavras do tipo “Sangue de Jesus tem poder”, exatamente como Mandrake poderia dizer “Abracadabra”. Isso quando não é o caso do pastor, na própria igreja transformada em picadeiro de circo, fazer uns movimentos físicos para dominar o Tinhoso! Esse tipo de prática, semelhante a um resto de neopaganismo de tipo bárbaro, agora atinge não só evangélicos, mas católicos e espíritas que começam a se sentir atraídos para o mundo da completa incapacidade de se adaptar a uma mentalidade científica. Mas se engana aquele que acredita que isso agarra somente os desescolarizados no Brasil de hoje. Há muitas pessoas nas universidades “pensando” dessa maneira.

Volto a Diderot e Voltaire. Este, quando dizia que a religião deveria ser mantida mesmo num mundo reconstruído pelo Iluminismo, imaginava que a religião cristã poderia se limitar aos cânones de sofisticação teológica que havia alcançado. Isso implicava, então, a manutenção da completa transcendência de Deus. 

Desse modo, Deus ou Jesus ou qualquer coisa parecida com entidades divinas, estaria em contato com os homens por meio de rituais privados, ouvindo os homens. Caso houvesse qualquer intervenção divina no mundo dos homens, tal intervenção seria “filtrada” pela alma humana que, então, ao lembrar-se dos exemplos das entidades divinas (por exemplo, a vida de Jesus ou dos santos etc.), inspiraria atos mentais, de caráter intelectual e moral. Mas não foi assim que as coisas evoluíram em nossos tempos recentes. No movimento de proliferação de igrejas dos anos noventa, e que continua agora mais forte que nunca, ninguém é “tocado” pela inspiração dessa maneira. Todos são tocados de modo mágico. Entidades tais como Deus, Jesus ou o Demônio, atacam diretamente a Terra, interferindo nas relações causais, ou seja, quebrando a ordem natural (mandando a Física, a Biologia etc às favas). O que antes se chamava de milagre — em relação ao qual a Igreja Católica criava todo um processo enorme de investigação para conceder fé — agora se tornou possível para qualquer corretor de imóveis sem registro ou vendedor de carnê do Baú, que pode colocar um terno surrado e virar pastor ao carregar embaixo do braço um negócio que ele chama de Bíblia. E os “abracadabras” correm o país. Não há nada menos religioso que isso. Mas é isto que domina a juventude brasileira e, pasmem, já domina também boa parte de nosso professorado na escola básica.

Nós não vamos tornar o Brasil um bom lugar de viver deixando nossas crianças nas mãos desse tipo de gente, com essa mentalidade. Estamos dando diplomas de professores, na universidade pública, para pessoas que não pensam de maneira racional. Elas são cativas dessas igrejas. Logo teremos uma mentalidade mística em cargos importantes da República. Gente incapaz de entender como funciona mecanismos de inflação ou como que é possível evitar a dengue. Será difícil fazer do país uma grande nação com esse tipo de mão de obra, completamente imbecilizada. Estamos confundindo liberdade religiosa com condescendência à burrice. Temo que paguemos todos, de modo drástico, por esse nosso descuido. Esse descuido de nossas universidades para com a evolução da barbárie embaixo de nossos narizes.

Por: Paulo Ghiraldelli Jr.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer



Autor: Arthur Schopenhauer 
Tradução: André Díspore Cancian 

  
Esse vazio encontra sua expressão em toda forma de existência, na infinitude do Tempo e Espaço em oposição à finitude do indivíduo em ambos; no fugaz presente como a única forma de existência real; na dependência e relatividade de todas coisas; em constantemente se Tornar sem Ser; em continuamente desejar sem ser satisfeito; na longa batalha que constitui a história da vida, onde todo esforço é contrariado por dificuldades, até que a vitória seja conquistada. O Tempo e a transitoriedade de todas as coisas são apenas a forma sob a qual o desejo de viver – que, como coisa-em-si, é imperecível – revelou ao Tempo a futilidade de seus esforços; é o agente pelo qual, a todo o momento, todas as coisas em nossas mãos tornam-se nada e, portanto, perdem todo seu verdadeiro valor.

O que foi não mais existe; existe exatamente tão pouco quanto aquilo que nunca foi. Mas tudo que existe, no próximo momento, já foi. Conseqüentemente, algo pertencente ao presente, independentemente de quão fútil possa ser, é superior a algo importante pertencente ao passado; isso porque o primeiro é uma realidade, e está para o último como algo está para nada.

Um homem, para seu assombro, repentinamente torna-se consciente de sua existência após um estado de não-existência de muitos milhares de anos; vive por um breve período e então, novamente, retorna a um estado de não-existência por um tempo igualmente longo. Isso não pode ser verdade, diz ao seu coração; e mesmo as mentes rudes, após ponderarem sobre o assunto, devem sentir algum tipo de pressentimento de que o Tempo é algo ideal em sua natureza. Essa idealidade do tempo, juntamente com a do espaço, é a chave para qualquer sistema metafísico verdadeiro, pois proporciona uma ordem de coisas distinta da que pode ser encontrada no domínio da natureza. Por essa razão Kant é tão grandioso.

De cada evento em nossa vida, é apenas por um momento que podemos dizer que este é; após isso devemos dizer para sempre que este foi. Cada noite nos empobrece, dia a dia. Provavelmente nos deixaria irritados ver este curto espaço de tempo esvaecendo, se não fôssemos secretamente conscientes, nas maiores profundezas de nosso ser, de que compartilhamos do inexaurível manancial da eternidade, e de que nele podemos sempre ter a vida renovada.

Reflexões com a natureza das acima podem, de fato, nos levar a estabelecer a crença de que gozar o presente e fazer disso o propósito da vida é a maior sabedoria; visto que somente o presente é real, todo o mais é representação do pensamento. Mas tal propósito poderia também ser denominado a maior tolice, pois aquilo que, no próximo instante, não mais existe e desaparece completamente como um sonho, jamais poderá merecer um esforço sério.

Toda a nossa existência é fundamentada tão-somente no presente – no fugaz presente. Deste modo, tem de tomar a forma de um constante movimento, sem que jamais haja qualquer possibilidade de se encontrar o descanso pelo qual estamos sempre lutando. É o mesmo que um homem correndo ladeira abaixo: cairia se tentasse parar, e apenas continuando a correr consegue manter-se sobre suas pernas; como um pólo equilibrado na ponta do dedo, ou como um planeta, o qual cairia no sol se cessasse com seu percurso. Nossa existência é marcada pelo desassossego.

Num mundo como este, onde nada é estável e nada perdura, mas é arremessado em um incansável turbilhão de mudanças, onde tudo se apressa, voa, e mantém-se em equilíbrio avançando e movendo-se continuamente, como um acrobata em uma corda – em tal mundo, a felicidade é inconcebível. Como poderia haver onde, como Platão diz, tornar-se continuamente e nunca ser é a única forma de existência? Primeiramente, nenhum homem é feliz; luta sua vida toda em busca de uma felicidade imaginária, a qual raramente alcança, e, quando alcança, é apenas para sua desilusão; e, via de regra, no fim, é um náufrago, chegando ao porto com mastros e velas faltando. Então dá no mesmo se foi feliz ou infeliz, pois sua vida nunca foi mais que um presente sempre passageiro, que agora já acabou.

Ao mesmo tempo, é algo surpreendente que, tanto no mundo de seres humanos quanto no dos animais em geral, essa variada e incansável moção é produzida e mantida por meio de dois simples impulsos – fome e o instinto sexual, ajudados talvez por um pouco de tédio, mas nada mais –, e estes, no teatro da vida, têm o poder de constituir o primum mobile de uma maquinaria tão complexa, colocando em movimento cenas tão estranhas e variadas!

Analisando os pormenores, constatamos que a matéria inorgânica apresenta um constante conflito entre forças químicas, as quais por vezes promovem a dissolução; por outro lado, a existência orgânica somente é possível através de uma contínua substituição de matéria, e não pode subsistir se não dispuser de uma eterna ajuda exterior. Portanto a vida orgânica é como o balançar de um pólo na mão; deve ser mantida em constante movimento e ter constante suprimento de matéria – da qual necessita continuamente e eternamente. Apesar disso, é apenas através da vida orgânica que a consciência é possível.

Este é o reino da existência finita, e seu oposto seria uma existência infinita, a qual não está exposta a ataques externos nem precisa de ajuda exterior; [grego: aei hosautos on] o reino da paz eterna; [grego: oute gignomenon, oute apollymenon], sem mudanças, sem tempo, sem diversidade; o conhecimento negativo do que constitui a nota fundamental da filosofia platônica. A renúncia da vontade de viver revela o caminho a um tipo de estado como esse.

As cenas de nossa vida são como imagens em um mosaico tosco; vistas de perto, não produzem efeitos – devem ser vistas à distância para ser possível discernir sua beleza. Assim, conquistar algo que desejamos significa descobrir quão vazio e inútil este algo é; estamos sempre vivendo na expectativa de coisas melhores, enquanto, ao mesmo tempo, comumente nos arrependemos e desejamos aquilo que pertence ao passado. Aceitamos o presente como algo que é apenas temporário e o consideramos como um meio para atingir nosso objetivo. Deste modo, se olharem para trás no fim de suas vidas, a maior parte das pessoas perceberá que viveram-nas ad interim [provisoriamente]: ficarão surpresas ao descobrir que aquilo que deixaram passar despercebido e sem proveito era precisamente sua vida – isto é, a vida na expectativa da qual passaram todo o seu tempo. Então se pode dizer que o homem, via de regra, é enganado pela esperança até dançar nos braços da morte!

Novamente, há a insaciabilidade de cada vontade individual; toda vez que é satisfeita um novo desejo é engendrado, e não há fim para seus desejos eternamente insaciáveis.

Isso acontece porque a Vontade, tomada em si mesma, é a soberana de todos os mundos: como tudo lhe pertence, não se satisfaz com uma parcela de qualquer coisa, mas apenas como o todo, o qual, entretanto, é infinito. Devemos elevar nossa compaixão quando consideramos quão minúscula a Vontade – essa soberana do mundo – torna-se quando toma a forma de um indivíduo; normalmente apenas o que basta para manter o corpo. Por isso o homem é tão miserável.

Na presente época, que é intelectualmente impotente e notável por sua veneração daquilo que é ruim em todas formas – um estado de coisas que é bastante condizente com a palavra cunhada “Jetztzeit” (tempo presente), tão pretensiosa quanto é cacofônica – os panteístas atrevem-se a dizer que a vida é, como dizem, “um fim-em-si”. Se nossa existência neste mundo fosse um fim-em-si, seria a mais absurda finalidade jamais determinada; mesmo nós próprios ou qualquer outro poderia tê-la imaginado.

A vida apresenta-se principalmente como uma tarefa, isto é, de subsistir de gagner sa vie [para ganhar a vida]. Se for cumprida, a vida torna-se um fardo, e então vem a segunda tarefa de fazer algo com aquilo que foi conquistado – a fim de espantar o tédio, que, como uma ave de rapina, paira sobre nós, pronto para atacar sempre que vê a vida livre da necessidade.

A primeira tarefa é conquistar algo; a segunda é banir o sentimento de que algo foi conquistado, do contrário torna-se um fardo.

Está suficientemente claro que a vida humana deve ser algum tipo de erro, com base no fato de que o homem é uma combinação de necessidades difíceis de satisfazer; ademais, se for satisfeito, tudo que obtém um estado de ausência de dor, no qual nada resta senão seu abandono ao tédio. Essa é uma prova precisa de que a existência em si mesma não tem valor, visto que o tédio é meramente o sentimento do vazio da existência. Se, por exemplo, a vida – o desejo pelo qual se constitui nosso ser – possuísse qualquer valor real e positivo, o tédio não existiria: a própria existência em si nos satisfaria, e não desejaríamos nada. Mas nossa existência não é uma coisa agradável a não ser que estejamos em busca de algo; então a distância e os obstáculos a serem superados representam nossa meta como algo que nos satisfará – uma ilusão que desvanece assim que o objetivo é atingido; ou quando estamos engajados em algo que é de natureza puramente intelectual – quando nos distanciamos do mundo a fim de podermos observá-lo pelo lado de fora, como espectadores de um teatro. Mesmo o prazer sensual em si não significa nada além de um esforço contínuo, o qual cessa tão logo quanto seu objetivo é alcançado. Sempre que não estivermos ocupados em algum desses modos, mas jogados na existência em si, nos confrontamos com seu vazio e futilidade; e isso é o que denominamos tédio. O inato e inextirpável anseio pelo que é incomum demonstra quão gratos somos pela interrupção do tedioso curso natural das coisas. Mesmo a pompa e o esplendor dos ricos em seus castelos imponentes, no fundo, não passam de uma tentativa fútil de escapar da essência existencial, a miséria.

O fato de que a mais perfeita manifestação da vontade de viver – o organismo humano, com a sua sutil e complexa maquinaria – deve decair e finalmente render todos os seus esforços à extinção – esse é o simples meio pelo qual a Natureza, invariavelmente verdadeira e sincera, declara todo o esforço da vontade, em sua própria essência, como estéril e inútil. Se tivesse algum valor em si, algo incondicionado e absoluto, seu fim não seria a inexistência. Esta é a nota dominante da bela música de Goethe:

No alto da velha torre
Fica o herói de mente nobre.

[Hoch auf dem alten Thurme steht
Des Helden edler Geist.]

O homem é apenas um fenômeno, não a coisa-em-si – digo: o homem não é [grego: ontos on]; isso se comprova pelo fato de que a morte é uma necessidade.

E quão diferente o começo de nossas vidas é do seu fim! O primeiro é feito de ilusões de esperança e divertimento sensual, enquanto o último é perseguido pela decadência corporal e odor de morte.

O caminho que divide ambas, no que concerne nosso bem-estar e deleite da vida, é a bancarrota; os sonhos da infância, os prazeres da juventude, os problemas da meia-idade, a enfermidade e miséria freqüente da velhice, as agonias de nossa última enfermidade e, finalmente, a luta com a morte – tudo isso não faz parecer que a existência é um erro cujas conseqüências estão se tornando gradualmente mais e mais óbvias?

Seria sábio considerar a vida como um desengaño, uma ilusão; que tudo está organizado nesse sentido: isso está suficientemente claro.

É apenas no microscópio que nossa vida parece grandiosa. É um ponto indivisível, captado e ampliado pelas poderosas lentes do Tempo e do Espaço.

Tempo é um elemento em nosso cérebro que, por meio da duração, cria uma semelhança de realidade na existência absolutamente vazia das coisas e de nós mesmos.

Quanta tolice há no homem que se arrepende e lamenta por não ter aproveitado oportunidades passadas, as quais poderiam ter-lhe assegurado esta ou aquela felicidade ou prazer! O que resta desses agora? Apenas o fantasma de uma lembrança! E é o mesmo com tudo aquilo que faz parte de nossa sorte. De modo que a forma do tempo, em si, e tudo quanto é baseado nisso, é um modo claro de provar a nós a vacuidade de todos deleites terrenos.

Nossa existência, assim como a de todos animais, não é duradoura, mas apenas temporária, meramente uma existentia fluxa, que pode ser comparada a um moinho no qual há constante mudança.

É verdade que a forma do corpo dura por um tempo, mas apenas sob a condição de que a matéria esteja sempre mudando, de que a velha matéria seja descartava e uma nova seja incorporada. É o principal empenho de todas as formas viventes assegurar um constante suprimento de matéria aproveitável. Ao mesmo tempo, estão conscientes de que sua existência é modelada de modo a durar apenas um período de tempo, como foi dito. Por essa razão tentam, quando estão abandonando a vida, deixá-la para outrem que tomará seu lugar. Essa tentativa toma a forma do instinto sexual em autoconsciência, e na consciência de outras coisas apresenta-se objetivamente – isto é, na forma do instinto genital. Esse instinto pode ser comparado ao enfileiramento de uma corrente de pérolas; um indivíduo sucedendo o outro tão rapidamente como as pérolas na corrente. Se nós, em imaginação, acelerarmos essa sucessão, veremos que a matéria está mudando constantemente em toda a fileira assim como está mudando em cada pérola, enquanto retém a mesma forma: percebemos então que temos apenas uma quasi-existência. Que são somente as Idéias que existem e criaturas-sombra daquilo que lhes corresponde – isso é a base dos ensinamentos de Platão.

A idéia de que não somos nada senão um fenômeno, em oposição à coisa-em-si, é confirmada, exemplificada e clarificada pelo fato de que a conditio sine qua non de nossa existência é um contínuo fluxo de descarto e aquisição de matéria que, como nutrição, é uma constante necessidade. De modo que nos assemelhamos a fenômenos como fumaça, fogo ou um jato de água, todos os quais desvanecem ou cessam diretamente se não houver suprimento de matéria. Pode ser dito, então, que a vontade de viver apresenta-se na forma de um fenômeno puro que termina em nada. Esse nada, entretanto, juntamente com o fenômeno, permanece dentro do limite da vontade de viver e são baseados nesse. Admito que isso é um pouco obscuro.

Se tentarmos obter uma perspectiva geral da humanidade num relance, constataremos que em todo lugar há uma constante e grandiosa luta pela vida e existência; que as forças mentais e físicas são exploradas ao limite; que há ameaças, perigos e aflições de todo gênero.

Considerando o preço pago por isto tudo – existência e a própria vida –, veremos que houve um intervalo quando a existência era livre de sofrimento, um intervalo que, entretanto, foi imediatamente sucedido pelo tédio, o qual, por sua vez, foi rapidamente sucedido por novos anseios.

O tédio ser imediatamente sucedido por novos anseios é um fato também verdadeiro à mais sábia ordem de animais, pois a vida não tem valor verdadeiro e genuíno em si mesma, mas é mantida em movimento por meio de meras necessidades e ilusões. Tão logo quanto não houver necessidades e ilusões tornamo-nos conscientes da absoluta futilidade e vacuidade da existência.

Se deixarmos de contemplar o curso mundo como um todo e, em particular, a efêmera e cômica existência de homens enquanto sucedem um ao outro rapidamente para observar a vida em seus pequenos detalhes: quão ridícula é a visão!

Impressiona-nos do mesmo modo como uma gota d’água, uma simples gota fervilhando de infusoria, é vista por um microscópio, ou um pedaço de queijo cheio de carunchos invisíveis a olho nu. Sua atividade e luta uns contra os outros em um espaço tão pequeno nos entretém grandemente. Acontece o mesmo no pequeno lapso da vida – uma grande e séria atividade produz um efeito irrisório.

Nenhum homem jamais se sentiu perfeitamente feliz no presente; se acontecesse, isso o envenenaria.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Consumo, Mídia e Beleza: a Mídia como Mediadora de Padrões de Comportamentos Femininos e Masculinos


Ótimas reflexões sobre pós-modernidade. Tempos onde o estético se torna essência, e o verdadeiro vira obsoleto. Sentimentos são comprados e substituídos por comportamentos efêmeros.

 "Não existe vivermos nossos "eus", mas vivemos os "eus" que colocam para nós vivermos" MOHR



Artigo disponível para leitura em:
http://psicologado.com/abordagens/comportamental/consumo-midia-e-beleza-a-midia-como-mediadora-de-padroes-de-comportamentos-femininos-e-masculinos